No início de fevereiro deste ano distritos de Paris registraram uma onda não-pacífica de protestos contra abusos cometidos por quatro policiais que, ao revistarem um jovem negro, agrediram-no física e verbalmente, além de o estuprarem com um cassetete elétrico.
Em setembro de 2016, o assassinato de dois homens negros e desarmados em ação da polícia em Oklahoma e na Carolina do Norte, causaram comoção social ao longo de três dias, sendo necessário decretar estado de emergência para o reestabelecimento da ordem.
Estes casos não são alheios à realidade brasileira, conhecida no cenário internacional pela má reputação de suas polícias, em face do caráter violento. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016), mais da metade da população tem medo de ser vítima da violência da Polícia Civil e da Polícia Militar no país. E este temor tem fundamento: somente em 2015, os registros oficiais apontam que 3.320 pessoas foram mortas por policiais no país. Este número é quase cinco vezes maior que o total de mortes decorrente da atuação policial nos Estados Unidos, que possui o dobro do total de habitantes do Brasil.
A quantidade de assassinatos no Brasil a cada ano – no total de 58.467 pessoas apenas em 2015 – sinaliza a existência de uma guerra civil de quase duas décadas, apesar de teimarmos em não a reconhecer. Uma pessoa é vítima de crime letal intencional a cada nove minutos e as estatísticas nos mostram o seu perfil: 54% são jovens (entre 15 e 24 anos) e, os negros compõem 73%, ou seja, a quase totalidade. Os dados aqui apresentados são do “Anuário Brasileiro da Segurança Pública” e do estudo continuado “Mapa da Violência”.Resolver o problema não é simples, mas precisa do reconhecimento social de que as políticas de segurança pública e as estratégias de policiamento rebaixam, criminalizam e matam, preferencialmente, os jovens negros.
Num cenário de violência endêmica, a diferença do nosso país para os demais é que a população brasileira pouco se posiciona a ação brutal da polícia. Talvez por desacreditarmos em outra medida (que não a violência), para conter a crescente criminalidade no país, nos acostumamos com o abuso de autoridade e os crimes praticados por quem deveria nos proteger. Além disso, o medo do revide, em hipótese de denúncia, e a certeza da impunidade fortalece o desvio institucional.
Precisamos rever as políticas sociais e de inclusão, para que a população mais vulnerabilizada pela violência seja fortalecida, com autonomia e dignidade. Outra medida importante é tornar obrigatório o controle da atuação policial através das ouvidorias populares e dos conselhos deliberativos de segurança pública, possibilitando que a participação popular apresente novas saídas para essa questão. Por fim, devemos cobrar que a Justiça e as Corregedorias cumpram seu papel, apurando e responsabilizando os policiais pelos seus excessos.
A questão não é declarar guerra às polícias e aos policiais. Estes são elementos para debatermos o modo como a sociedade brasileira, através de suas instituições, tem optado pela violência e pelo ódio para mascarar seu caráter violento e historicamente discriminatório. Na essência, o trabalho dos policiais é valoroso e indispensável para a manutenção da paz social. Quando as polícias são utilizadas como escudo de contenção das desigualdades sociais, reais motivadoras do aumento da criminalidade, cabe a todos nós repensarmos o seu modelo e mecanismos de funcionamento.
Agora, seguem algumas dicas a serem aplicadas em situações de violência policial:
1. Tipos de violência policial – não são apenas agressões físicas, seguida (ou não) de morte. As agressões verbais, a violência psicológica e a omissão no desempenho das atividades são formas de violência policial.
2. Identificação do policial – é obrigatória. ao abordar uma pessoa, o policial deve se identificar antes de qualquer outra ação. Caso não o faça, você pode pedir que se identifique.
3. Lar é inviolável–A Constituição proíbe que as casas sejam invadidas, tornando-a inviolável, exceto em caso de flagrante delito, para prestação de socorro ou por determinação judicial (durante o dia).Se a sua casa foi invadida, peça o mandado judicial.
4. Integridade física – é proibida a agressão física injustificada, praticada por qualquer agente público (seja policial ou não). Essa ação pode ser enquadrada como abuso de autoridade e/ou crime de tortura.
5. Prisão sem comunicação – a prisão de qualquer pessoa tem de ser comunicada pelo delegado de polícia
ao juiz competente e à Defensoria Pública através de cópia integral do auto de prisão em flagrante; e também à família ou outra pessoa indicada pelo preso,assim que chegar à Delegacia, sem precisar esperar a comunicação aos órgãos de justiça.
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6. Informações para denúncia – para denunciar, tente munir-se do maior número de informações possíveis. Alguns exemplos: (a) horário e local da violência; (b) nome de testemunhas; (c) placa da viatura, nome dos policiais, identificação do batalhão ou da delegacia;
7. Papel do Ministério Público –fiscaliza a atividade policial, podendo adotar medidas judiciais e administrativas para apurar a violência e responsabilizar os culpados, inclusive através de ação penal. Para procurar o promotor de justiça, você não precisa ter passado primeiro na Delegacia ou na Corregedoria.
8. Papel da Defensoria Pública – qualquer prisão em flagrante deve ser, de imediato comunicada a essa instituição, para garantir defesa ao preso. A Defensoria pode prestar assistência jurídica as vítimas de violência familiar e seus familiares.
9. Papel das Corregedorias – investigam os excessos funcionais para aplicação de sanção administrativas, inclusive podendo recomendar a instauração de procedimentos para demissão do policial, a bem do serviço público.
10. Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte–atende as vítimas de violência policial, pessoas que presenciaram crimes cometidos e seus familiares, garantindo assistência psicossocial, moradia, alimentação e incomunicabilidade. Uma das formas de ingresso é através do pedido/recomendação do promotor de justiça à entidade executora do PROVITA
Para mais detalhes, acesse:
http://portalantigo.mpba.mp.br/atuacao/cidadania/nudh/2011/cccg/provitaba.asp
11. Disque Direitos Humanos – um outro canal de denúncia de violência policial é o Disque 100 Direitos Humanos. Você pode registrar o caso, que será encaminhado às autoridades, podendo optar pela denúncia anônima.
E lembre-se, a paz social não depende apenas dos policiais, mas de cada um de nós!
Sou Anhamona de Brito, com o Programa Saúde no Ar e você, por uma nova cultura: Direitos Humanos pra Valer!