Um tumor de tireoide que hoje responde por 20% dos casos de câncer nessa glândula foi reclassificado e agora passa a ser considerado uma lesão benigna. Ou seja, deixou de ser câncer. Com isso, 46 mil pessoas que são diagnosticadas por ano com esse tipo de tumor no mundo passarão a ser poupadas da remoção completa da tireoide e da iodoterapia (um tipo de radioterapia), que é atualmente o tratamento padrão nesses casos.
A reclassificação foi feita por um painel internacional de especialistas, composto por 24 patologistas de sete países (dentre eles o Brasil), dois endocrinologistas, um cirurgião da tireoide, um psiquiatra e uma paciente. O estudo que embasou a mudança foi publicado na revista científica “Jama Oncology”. Chamado de “variante encapsulada folicular do carcinoma papilar da tireoide (EFVPTC, na sigla em inglês)”, o tumor reclassificado é um pequeno nódulo na tireoide que está cercado por uma cápsula de tecido fibroso. O núcleo se parece com um câncer, mas as células não ultrapassam o invólucro. Portanto, a cirurgia para a retirada total da glândula seguida de iodoterapia é “desnecessária e nociva”, dizem os autores do artigo.
Segundo Venâncio Avancini Ferreira Alves, diretor do centro de patologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e um dos autores do trabalho, a partir de agora, a indicação será apenas a retirada do nódulo, com preservação da glândula, e o acompanhamento do paciente. “Vamos poupar complicações da cirurgia, como a rotura do nervo vago, que pode causar rouquidão, ou a retirada das paratireoides, que geram alterações de vitamina B e do metabolismo do cálcio. A iodoterapia também está associada a lesões na regiões vizinhas da irradiada.”
Para Clóvis Klock, presidente da SBP (Sociedade Brasileira de Patologia), a mudança também terá economia para os sistemas de saúde. “Estima-se o custo para tratar cada paciente com esse tipo de tumor varie entre US$ 5.000 e US$ 8.500 por paciente. Quando a gente multiplica isso por 46 mil por ano, o impacto é grande.” Venâncio Alves explica que a reclassificação só foi possível graças a estudos citológicos e moleculares que permitiram diferenciar o tumor de outros realmente malignos e com potencial de metástases. “Os critérios e as evidências em medicina são dinâmicos. Até ontem de manhã (quinta, data da publicação do artigo), os médicos não tinham acesso a essa informação. Então, quem foi operado sem necessidade, não foi por erro médico”, diz Alves.
Segundo Klock, as novas recomendações serão repassadas aos patologistas para que, a partir de agora, passem a usar os novos critérios em seus diagnósticos.
Estudo
O estudo que motivou a reclassificação do tumor analisou 109 pacientes com uma forma não invasiva da doença e 101 pacientes que desenvolveram a forma invasiva. Os grupos foram acompanhados por períodos que variaram de dez a 26 anos.
Também foi feita uma revisão dos materiais (como amostras dos tumores) coletados pelos patologistas.
Todos os casos, pelos critérios até então adotados, foram classificados como câncer. Os pacientes com tumores encapsulados, porém, não foram tratados após a remoção. Nenhum deles teve qualquer evidência de câncer após dez anos.
“Os pacientes cujos tumores estão confinados dentro de suas cápsulas tem um excelente prognóstico. Eles não precisam de uma tireoidectomia. Eles não precisam de radioterapia. Eles não precisam de ser acompanhadas a cada seis meses”, diz Yuri Nikiforov, do departamento de patologia Universidade de Pittsburgh (EUA).
“Se não é um câncer, não vamos chamá-lo de câncer”, disse John Morris, presidente eleito da Associação Americana de Tireoide e professor de medicina da Clínica Mayo.
Para Clóvis Klock, o estudo servirá para embasar debates sobre outros tumores, como de mama e de próstata, que não são invasivos e os pacientes poderiam ser poupados de terapias agressivas.
Portal Saúde no Ar*
João Neto