Análise conduzida pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) revela uma tendência nas estatísticas de suicídio no Brasil. De acordo com os dados compilados entre os anos de 2012 e 2021, os jovens do sexo masculino, entre 10 e 19 anos, emergem como o grupo mais vulnerável, totalizando 6.801 registros, ou seja, 68,32% dos casos totais, enquanto as mulheres têm 3.153 ocorrências, com 31,68% do total. Ao todo, no período pesquisado, o Brasil registrou 9.954 casos de suicídio ou morte por lesões autoprovocadas intencionalmente. Todos os dias morrem três crianças por suicídio no Brasil, segundo a SBP. Mas há um paradoxo nessa história.
Há uma diferença nos dados entre tentativas de suicídio e taxas de mortalidade quando se trata de gênero. Segundo Kelly Graziani Vedana, professora da Escola de Enfermagem da USP em Ribeirão Preto, especialista em Suicidologia, as mulheres têm mais tentativas de suicídio não letais, enquanto os homens morrem mais por suicídio. “Os meninos o fazem de forma mais eficiente e com agressividade direta.”
A especialista destaca o papel dos métodos utilizados, como armas de fogo. “Um estudo identificou que viver em uma casa com armas de fogo está associado a um risco três a quatro vezes maior de suicídio entre jovens”, descreve a especialista. Esses meios mais letais incluem predominantemente armas de fogo, mas também são registrados casos de uso de pesticidas, que têm sido alvos de políticas públicas visando à redução do acesso. Outras medidas também são relevantes, como a redução da toxicidade de substâncias potencialmente fatais, como a alteração na composição do gás de cozinha.
“Algumas pessoas podem se perguntar: ‘Se não houvesse acesso a um método letal como esses, elas não tentariam de outra forma?’ É possível que sim, mas muitas pessoas não seguem esse caminho. Quando há restrição de acesso a um método altamente letal, pode ser que ela sobreviva, receba apoio e tenha uma nova chance”, afirma a especialista.
Normas culturais e sociais
Kelly também explica que essa disparidade pode ser atribuída a outros fatores, incluindo diferenças na expressão e na vivência de emoções, normas culturais e sociais, que são desfavoráveis aos homens quando o assunto é saúde mental. “A ideia de que os homens não devem demonstrar emoções ou fragilidade contribui significativamente para o estigma em torno da saúde mental masculina.” Essa pressão social pode levar os homens a esconder seus sentimentos e evitar a busca por ajuda quando estão enfrentando problemas emocionais ou mentais.
“Por exemplo, a crença de que ‘homens não choram’ pode fazer com que eles se sintam envergonhados ou fracos ao expressar suas emoções, o que pode resultar em um acúmulo de estresse e ansiedade, se não tratados”, analisa a professora. De acordo com a especialista, os homens também não costumam buscar apoio quando o assunto é saúde mental e podem enfrentar maior dificuldade na adesão ao tratamento.
Segundo a especialista, os serviços de saúde mental ainda precisam ser mais bem adaptados às demandas específicas de cada gênero. “Os homens podem não se identificar com as formas de tratamento propostas e disponíveis nos serviços de saúde tradicionais, portanto, é importante desenvolver de forma criativa novos recursos que possam atender melhor essa clientela.”
A professora enfatiza a necessidade de aprender um tipo de “primeiros socorros” em saúde mental. Ela ressalta a importância de investir na formação de profissionais de saúde, não apenas na área da saúde mental, mas também em outras especialidades, visto que muitas pessoas buscam ajuda antes de cometer suicídio, mas em serviços de saúde generalistas. “Deste modo, existe uma demanda por uma abordagem holística, ou seja, inclusiva e não fragmentada na prevenção do suicídio, envolvendo não apenas profissionais de saúde mental, mas também aqueles de outras áreas médicas e sociais.”
Onde buscar ajuda?
O Centro de Valorização da Vida, CVV, recebe ligações 24 horas, todos os dias da semana, no número 188, com atendimento gratuito. Também é possível acessar o site do CVV, onde estão disponíveis opções de chat, Skype, e-mail e até unidades presenciais para buscar apoio.
Além disso, os serviços de saúde, como postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hospitais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) estão prontos para oferecer acolhimento e assistência profissional.
Fonte: Jornal da USP
Sob supervisão de Ferraz Junior