No tablado geopolítico do século XXI, assiste-se a uma encenação sombria e inquietante, onde as potências do mundo protagonizam um drama que ora se disfarça de teatro diplomático, ora revela os contornos de um presságio bélico. O conflito comercial entre os Estados Unidos e a China, longe de ser um episódio isolado, manifesta-se como parte de uma arquitetura complexa de poder, domínio e sobrevivência. Pergunta-se, pois: estamos apenas diante de mais um capítulo do “teatro dos vampiros”, onde elites sugam a vitalidade das nações sob a aparência da legalidade, ou já ouvimos os tambores de uma guerra que se anuncia?
A GUERRA COMERCIAL COMO SINTOMA DE UMA CRISE CIVILIZACIONAL
Desde 2018, com a imposição de tarifas bilionárias por parte dos Estados Unidos sobre produtos chineses, o mundo passou a presenciar uma escalada que ultrapassa os limites do comércio. O conflito sino-americano é, em essência, uma disputa por hegemonia tecnológica, financeira e ideológica. O domínio sobre semicondutores, inteligência artificial, telecomunicações e cadeias produtivas globais é o novo campo de batalha.
Se outrora as guerras se faziam com pólvora e baionetas, hoje elas são travadas com sanções, espionagem digital e desinformação. Contudo, o palco continua o mesmo: a luta pela supremacia em um mundo multipolar e instável.
O CENÁRIO COMO UM “TEATRO DOS VAMPIROS”
Chama-se de “teatro dos vampiros” o aparato político-midiático que reveste os atos de predação econômica com discursos moralizantes e civilizatórios. A democracia, os direitos humanos e o livre mercado, embora princípios louváveis, tornaram-se, muitas vezes, retóricas vazias que ocultam o interesse geopolítico das grandes potências. Assim como vampiros sedentos, essas nações drenam recursos, manipulações e dependências, mantendo regiões inteiras subjugadas por meio de dívidas, intervenções silenciosas ou guerras econômicas.
A guerra comercial é, nesse sentido, uma peça cuidadosamente ensaiada, onde o “inimigo” é necessário para justificar medidas impopulares, fortalecer a indústria armamentista e controlar narrativas internas por meio da criação de um outro ameaçador. A China, para os EUA, tornou-se esse antagonista conveniente, enquanto os norte-americanos ocupam, para Pequim, o lugar de decadente império que tenta impedir o inevitável: a ascensão do Oriente.
O PRESSÁGIO DE UMA GUERRA MAIOR
Entretanto, há quem veja além do teatro. A intensificação das tensões em Taiwan, as alianças militares sendo reconfiguradas (como o AUKUS, entre EUA, Austrália e Reino Unido), o cerco à economia chinesa e as provocações estratégicas no Mar do Sul da China, acendem o sinal vermelho.
A história nos ensina que guerras comerciais precederam guerras armadas. Foi assim nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial e também no período que levou à Segunda. O nacionalismo econômico, o protecionismo e as sanções funcionam como catalisadores da desconfiança mútua. Mais do que isso: alimentam o ressentimento nacional e a corrida armamentista.
O risco não está apenas em um confronto direto, mas em uma guerra híbrida prolongada, que envolverá sabotagens cibernéticas, escassez artificial de produtos estratégicos, manipulação de mercados e desinformação em escala global. O cenário, portanto, é de instabilidade sistêmica.
INTENÇÕES ESCONDIDAS POR TRÁS DO CONFLITO
Não se trata apenas de comércio ou geopolítica. Estamos diante de um rearranjo da ordem mundial, onde as nações buscam assegurar posições privilegiadas para a transição de um mundo unipolar (centrado nos EUA) para um novo equilíbrio de forças.
Entre as intenções ocultas destacam-se:
1. Controle sobre tecnologias críticas: Semicondutores, inteligência artificial e biotecnologia serão as bases do poder neste século. O domínio desses setores garante vantagem não apenas econômica, mas militar.
2. Redesenho das cadeias produtivas: A pandemia escancarou a dependência ocidental da China. Há um movimento estratégico dos EUA para “desglobalizar” certas cadeias e internalizar a produção de bens essenciais.
3. Reconfiguração da governança internacional: A disputa é também pelo controle de instituições como ONU, FMI, OMS e OTAN. China e Rússia propõem uma nova governança multipolar, enquanto os EUA tentam preservar seu papel de árbitro global.
4. Guerra narrativa: O controle da opinião pública mundial, por meio da mídia, big techs e redes sociais, tornou-se tão importante quanto o controle de territórios. A verdade tornou-se um campo de batalha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos, sim, o teatro dos vampiros — elites políticas e econômicas que, sob o verniz da diplomacia, encenam estratégias de dominação e esgotamento da soberania popular. Mas também somos, talvez, espectadores do presságio de uma guerra que pode redefinir o século, não apenas por seus efeitos geopolíticos, mas por suas consequências humanas, ambientais e espirituais.
Resta saber se os povos do mundo seguirão aplaudindo de pé esse espetáculo trágico, ou se despertarão a tempo de recusar os papéis que lhes foram atribuídos — e escrever, juntos, um novo roteiro para o futuro da humanidade.