Daniela Tafner
Doutora em Enfermagem, especialista na questão racial e professora convidada no Instituto de Pesquisa Afro-Latino-Americana (Alari) da Universidade de Harvard
Você já reparou que as campanhas de saúde identificam os meses pelas cores. O objetivo é facilitar a conscientização sobre doenças e incentivar a prevenção. O Setembro Amarelo é o mês dedicado a prevenir o suicídio e falar abertamente sobre saúde mental.
De fato, a estatística impressiona e preocupa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados 14 mil casos de suicídio por ano no Brasil – quase 40 por dia. Isso sem contar com a subnotificação, o que pode elevar o número.
O que estarrece ainda mais é que o problema tem cor: brasileiros negros do sexo masculino com idade entre 10 e 29 anos têm uma probabilidade 45% maior de cometer suicídio, segundo pesquisa do Ministério da Saúde. A explicação está relacionada ao sofrimento psíquico provocado pelo racismo estrutural.
Antes de irmos adiante, vale esclarecer. Primeiro, falamos da maior fatia da população: no Censo de 2022, quase 56% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos. Segundo, o racismo estrutural é algo que você não vê, mas está em tudo. Desde não termos pessoas negras ocupando cargos de chefia nas empresas até o fato de 75% das mortes em operações policiais serem de jovens negros. Uma discriminação enraizada.
Crianças negras são vítimas indefesas da desigualdade racial. Nas historinhas infantis ou na TV, ao não ver heróis com a mesma cor de pele, começam a perceber que estão prestes a entrar em um mundo sem lugar para elas. O resultado pode vir sob a forma de baixa autoestima. Mesmo sutis, situações de discriminação na infância tendem a gerar transtornos psicológicos no futuro, como desesperança, tristeza, depressão e ansiedade.
A família, a escola e a comunidade não estão preparadas para cuidar do problema. Na área da saúde, onde atuo há duas décadas, não há capacitação sequer para abordar pacientes negros e ouvir seus relatos. Ainda sobrevêm mitos como “negro é forte” ou “mulher negra é resistente à dor”. Para piorar, profissionais de saúde mental muitas vezes não reconhecem suas próprias atitudes racistas, o que agrava o sofrimento de quem procura ajuda.
Neste Setembro Amarelo, se cada um de nós parar para pensar na relação entre a desigualdade racial e a saúde mental, já teremos um mínimo avanço. É um desafio de todos nós para evoluirmos como civilização.