Para o projeto Amazônia 2030, a madeira quando produzida de forma responsável desponta como alternativa para atender às demandas de construção civil e outros mercados globais.
O relatório inédito “O manejo de florestas naturais e o setor madeireiro da Amazônia brasileira: situação atual e perspectivas” apresenta uma análise abrangente e estratégica sobre o setor madeireiro da região, aponta desafios históricos, oportunidades e recomendações para alinhar a exploração madeireira às necessidades de conservação e desenvolvimento sustentável. Elaborado pela iniciativa Amazônia 2030, em parceria com Imaflora e Instituto Floresta Tropical (IFT), o estudo é um alerta e um chamado à ação para governos, empresas e sociedade civil.
O setor madeireiro amazônico, que já foi um dos pilares da economia da região, enfrenta uma crise prolongada. A produção de madeira em tora despencou de 28 milhões de m³ no final da década de 1990 para apenas 10-12 milhões de m³ nos últimos anos. Cerca de 92% da madeira é destinada ao mercado interno, sobretudo à construção civil, enquanto apenas 8% é exportada.
“O setor madeireiro da Amazônia ainda opera em grande parte de forma insustentável, o que o torna incompatível com as demandas da bioeconomia”, explica Marco W. Lentini, secretário executivo do IFT e um dos autores do relatório. Ele ressalta que práticas predatórias e a exploração ilegal continuam predominando, com 30% a 40% da exploração ocorrendo sem autorização.
Manejo florestal
Desde a década de 1990, o manejo florestal tem sido uma tentativa de equilibrar a conservação da floresta com a geração de renda. Atualmente, apenas 8% a 9% da produção madeireira da Amazônia provém de áreas manejadas de forma responsável, como concessões florestais ou empreendimentos certificados. O manejo florestal reduz custos em até 20% em comparação com práticas convencionais, além de oferecer benefícios ambientais significativos, como a manutenção de biodiversidade e estoques de carbono.
No entanto, as concessões florestais, reguladas pela Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2006, progrediram de forma lenta. Em 18 anos, apenas 1,3 milhão de hectares foram concedidos, muito abaixo dos 25 milhões de hectares necessários para atender à demanda e estabilizar a fronteira madeireira.
Principais desafios
O setor madeireiro da Amazônia enfrenta entraves estruturais e sistêmicos que limitam seu potencial econômico e comprometem sua sustentabilidade. Entre os maiores desafios está o predomínio da exploração ilegal. Dados do relatório apontam que entre 30% e 40% da madeira amazônica é explorada sem as devidas autorizações, muitas vezes por meio de fraudes no sistema de créditos florestais. “Os créditos fictícios permitem inflar a legalidade de madeira retirada de forma predatória, criando uma cadeia que dificulta a rastreabilidade e mina a credibilidade do setor”, explica Marco W. Lentini, coautor do estudo.
Além disso, a exploração concentra-se em poucas espécies, com apenas 20 das mais de 1.000 disponíveis sendo amplamente comercializadas. Essa dependência gera pressão excessiva sobre espécies como o ipê e o cumaru, enquanto outras permanecem subutilizadas. “O setor ainda não investe na diversificação de espécies, perdendo oportunidades de explorar de forma equilibrada a biodiversidade amazônica”, destaca Lentini.
A falta de modernização tecnológica é outro ponto crítico. Parques industriais obsoletos e a ausência de inovação mantêm o setor dependente de processos ineficientes e com baixo valor agregado. Além disso, a baixa rastreabilidade compromete a confiança de consumidores e investidores, mesmo com avanços como a plataforma Timberflow, que ainda precisa de maior adesão e integração para garantir transparência total na cadeia produtiva.
Propostas para o futuro
O relatório apresenta um caminho claro para transformar o setor madeireiro amazônico em um modelo de sustentabilidade econômica e ambiental. A expansão das concessões florestais é uma das principais recomendações. “As concessões florestais não apenas garantem a origem legal da madeira, mas também contribuem para a conservação, gerando benefícios sociais e econômicos para as comunidades locais”, afirma Maryane B. T. Andrade, coautora do estudo.
Outra proposta é fortalecer o manejo florestal comunitário e familiar, que pode se tornar uma alternativa viável para pequenas comunidades. No entanto, isso exige políticas públicas mais robustas, financiamento adequado e suporte técnico. “O manejo comunitário pode ser uma solução para democratizar o acesso à floresta, mas precisa de apoio contínuo para competir com práticas predatórias”, aponta Andrade.
A diversificação da produção é outro eixo estratégico. Incentivar o uso de espécies pouco exploradas, por meio de estudos de viabilidade e incentivos econômicos, pode aliviar a pressão sobre espécies ameaçadas e aumentar a competitividade do setor. Paralelamente, o investimento em tecnologia, como drones e inteligência artificial, é essencial para modernizar processos e aumentar a eficiência produtiva.
O relatório também propõe integrar o setor madeireiro a sistemas de pagamento por serviços ambientais, como o REDD+, criando uma fonte de renda adicional para produtores que mantêm a floresta em pé. Além disso, sugere medidas para fomentar o uso sustentável da madeira em mercados externos e internos, como políticas de compras públicas que priorizem produtos de origem certificada.
Oportunidades para transformação
Apesar dos desafios, o setor madeireiro da Amazônia tem um potencial significativo de se tornar um exemplo global de bioeconomia. A transição para práticas sustentáveis pode gerar ganhos econômicos expressivos, atraindo investidores e consumidores preocupados com a origem dos produtos que consomem. “A madeira amazônica pode ser um insumo estratégico para a construção sustentável, substituindo materiais de alto impacto, como cimento e aço, em projetos inovadores”, ressalta Lentini.
A Amazônia também pode liderar o mercado de carbono, integrando o setor madeireiro a iniciativas de compensação ambiental. “A floresta em pé tem valor, e precisamos criar mecanismos que reflitam isso na economia global. As oportunidades estão aí, mas demandam planejamento e coordenação”, conclui Maryane.
“O setor madeireiro pode ser um motor da bioeconomia amazônica, mas, para isso, precisamos de ações concretas que garantam a sustentabilidade e a legalidade da cadeia produtiva. Sem isso, perderemos uma oportunidade histórica de transformar a Amazônia em um exemplo global de desenvolvimento sustentável”, afirma Beto Veríssimo, pesquisador e coordenador do projeto Amazônia 2030.
Com a implementação das propostas apresentadas no relatório, o setor madeireiro não apenas pode superar sua crise, mas também se consolidar como um pilar da bioeconomia amazônica, promovendo desenvolvimento social e conservação ambiental.
A publicação está disponível para download no site do Amazônia 2030 e serve como base para discussões futuras sobre o papel da Amazônia na bioeconomia global.