O maior de nossos problemas sociais é a pobreza que atinge a negritude no Brasil, como se infere dos dados apresentados pelo jornalista e historiador Laurentino Gomes, no primeiro volume de sua trilogia sobre a escravidão. É tão antiga quanto a Abolição da Escravatura a percepção de que a liberdade formal dos negros não se fez acompanhar de conquistas materiais, indispensáveis ao exercício de uma cidadania plena, que é a epítome da liberdade que floresce no seio da sociedade civil. Segundo a historiadora grega, radicada na Bahia, Kátia Queiroz Mattoso (1931-2011), em sua tese de doutorado na Sorbonne, publicada em livro como Bahia, Século XIX, Uma Província no Império, o bem-estar material dos escravos baianos era superior ao da maioria dos negros brasileiros no último quartel do Século XX, prova inquestionável da continuidade da opressão, alimentada pelo discurso irresponsável do populismo da esquerda e da direita.
Com uma participação de 54% na população brasileira, incluídos mulatos e mestiços, os negros comparecem com 71% dos mortos por homicídio, enquanto é de 78% o seu percentual na formação dos 10% mais pobres do País, ao tempo em que é de, apenas, 18% sua presença no seleto time dos 1% mais ricos. Como dado revelador do papel da educação na prosperidade dos povos e das pessoas, é superior a 22% o número de brancos com doze ou mais anos de escolaridade, percentual que cai para abaixo de 10% de negros nesse nível. Reversamente, enquanto 10% dos negros são analfabetos, os brancos representam a metade desse percentual em semelhante estado de penúria intelectual. Não é de estranhar que o percentual de negros desempregados seja 50% superior ao de brancos. Os desníveis salariais são ainda mais gritantes. Enquanto a média salarial dos brancos é de R$2.814,00, a dos negros cai 80%, para R$1.570,00.
O desequilíbrio continua no plano do ensino superior. Ao fim da primeira década do terceiro milênio, apesar de comparecerem com cerca de 30% dos estudantes de mestrado e doutorado, os negros participavam com menos de 0,5% do total dos doutores nas diferentes áreas do saber, e com menos de 2% dos professores da USP-Universidade de São Paulo! Os reflexos no exercício das profissões mais prestigiadas são inevitáveis: 10% dos engenheiros; 21% dos advogados; 17% dos veterinários; 12% dos pilotos de aeronaves; 11% dos professores de Medicina. Nos 50 anos transcorridos entre 1965 e 2015, apenas 10% dos livros publicados por brasileiros foram de escritores negros. Por outro lado, na população de encarcerados, os negros comparecem com 75%, número 40% superior à cota que proporcionalmente lhes caberia, nessa estatística macabra. Como consectário natural desse quadro de gritantes desigualdades, os negros representam a grande maioria dos que vivem em ambientes carentes da infraestrutura material mínima para o saudável exercício da cidadania, como habitação decente, saneamento básico, energia, segurança, educação e atendimento médico. Na representatividade política, a desvantagem dos negros segue o mesmo padrão: não chegou a 4% o número dos eleitos para o Legislativo, nas eleições gerais de 2018, apenas, 65, entre 1.626. Na relação das 500 maiores empresas brasileiras, apenas 4,7% dos postos de comando e 6,3% das posições gerenciais pertencem a negros. A começar pelo Supremo Tribunal Federal, onde Joaquim Barbosa figurou como exceção, a presença de negros nos tribunais superiores brasileiros, como nos tribunais regionais e estaduais, constitui marcante exceção.
Desejamos acentuar que os negros continuam oprimidos, acima de tudo, porque a ascensão social pela educação não tem sido o elemento de proa de sua epopeia dolorosa, e que a mera denúncia repetitiva dos maus tratos sofridos, com a exigência da necessária punição dos infratores, não tem melhorado sua posição na escala social, 131 anos decorridos da Abolição.
Só educação de qualidade é capaz de modificar esse panorama que o populismo estratifica.