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O subdiagnóstico da insuficiência cardíaca é um problema emergencial

Por:

*Dra. Lídia Ana Zytynski Moura, Presidente do DEIC (Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia)

As doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito no Brasil e em todo o mundo. Dentre elas, a insuficiência cardíaca (IC) destaca-se pela elevada taxa de mortalidade. Estudos indicam que, globalmente, a mortalidade anual por IC varia entre 10% e 20%, dependendo da gravidade da condição e do acesso a tratamentos adequados [1,2].

No Brasil, a taxa média de mortalidade por IC em indivíduos com 50 anos ou mais foi de 75,5 óbitos por 100 mil habitantes entre 1998 e 2019 [3]. A expectativa de vida após o diagnóstico de IC é de aproximadamente 3,5 anos, com variações conforme a resposta ao tratamento e o estágio da doença [4]. Embora a prevalência de IC na população brasileira geral seja de cerca de 2%, essa taxa pode alcançar 17% entre pessoas com mais de 85 anos [2].

A World Heart Federation projeta um aumento global de 25% na prevalência de insuficiência cardíaca até 2030, devido principalmente ao envelhecimento da população [5]. Adicionalmente, o tratamento da IC apresenta uma complexidade crescente, com índices elevados de hospitalização e re-hospitalização, especialmente durante o período vulnerável – os primeiros 90 dias após um evento, com destaque para os 30 primeiros dias [6].

Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia indicam que a IC representa o maior custo para o Sistema Único de Saúde (SUS), gerando uma despesa anual de R$ 22 milhões, sendo a internação hospitalar o principal componente desse custo [3].

O desenvolvimento de soluções para a insuficiência cardíaca é urgente e inclui desde a detecção precoce com diagnóstico imediato até a rápida implementação dos tratamentos recomendados nas diretrizes clínicas, além do acompanhamento constante para identificar sinais de agravamento.

Em busca de uma compreensão mais profunda das questões nacionais relacionadas à IC, especialmente no contexto da cardiomiopatia isquêmica, a empresa farmacêutica Viatris financiou um estudo que avaliou os cuidados cardiovasculares em mais de 8 mil pacientes internados em hospitais do Distrito Federal com infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra e tratados precocemente [7]. O estudo revelou que quase metade dos pacientes que sofreram infarto do miocárdio apresentaram sinais de IC, mas não receberam diagnóstico adequado. Entre os diagnosticados, apenas 10% receberam o tratamento medicamentoso correto [7].

A formação médica é o ponto de partida para melhorar o tratamento da insuficiência cardíaca. O primeiro passo é capacitar cardiologistas, tanto especialistas quanto não-especialistas, para o diagnóstico preciso da doença. Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser realizado clinicamente, com base em uma análise detalhada da história e exame físico do paciente [8]. Em casos de dúvida, os peptídeos natriuréticos constituem uma excelente ferramenta diagnóstica complementar. Exames de imagem, eletrocardiograma (ECG) e ecocardiografia também auxiliam no raciocínio clínico e na definição fenotípica da doença [9].

Outro aspecto fundamental é o incentivo à adesão ao tratamento. Uma vez diagnosticada, a implementação imediata do tratamento adequado, conforme as diretrizes, é essencial [10]. Sendo a insuficiência cardíaca uma doença crônica, o tratamento precisa ser contínuo. Uma adesão correta pode reduzir em até 15% as hospitalizações e aumentar a expectativa de vida em até 6 anos [4]. Estudos recentes apontam que, em média, 42% dos pacientes interrompem o uso do medicamento nos primeiros 2 anos de tratamento [11]. Como o médico pode contribuir para melhorar essa adesão?

Assim como o diagnóstico de câncer é impactante para os pacientes, o diagnóstico de insuficiência cardíaca também deveria ser. Afinal, o câncer e as doenças cardiovasculares possuem as maiores taxas de mortalidade no Brasil, o que torna ambas igualmente graves [12]. Os pacientes precisam compreender a seriedade da IC e a importância da adesão ao tratamento para melhorar sua expectativa de vida. Cabe ao médico, bem como às sociedades médicas, promover essa conscientização [13].

Portanto, a educação global sobre insuficiência cardíaca é indispensável para melhorar a qualidade de vida de uma população em envelhecimento. É necessário conscientizar a sociedade sobre a doença, capacitar os médicos para um manejo adequado e incentivar o tratamento contínuo, dado o caráter crônico da IC. Mudanças no estilo de vida, tratamento precoce de comorbidades, diagnóstico ágil, investigação etiológica eficaz e implementação precoce de um tratamento completo e otimizado são objetivos que devem ser perseguidos. Esse é um compromisso e uma responsabilidade de todos os segmentos da sociedade [14].”


Referências:

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  1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Estatísticas Cardiovasculares – 2022.
  1. Ambrosy AP, Fonarow GC, Butler J, Chioncel O, Greene SJ, Vaduganathan M, et al. The Global Health and Economic Burden of Hospitalizations for Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 2014;63(12):1123-33. doi:10.1016/j.jacc.2013.11.053.
  1. World Heart Federation. Cardiovascular Disease in the Developing World and Its Cost-effective Management. Circulation. 2020.
  1. Gheorghiade M, Vaduganathan M, Fonarow GC, Bonow RO. Rehospitalization for Heart Failure. Circulation. 2013;128(4) –e322. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.112.000647.
  1. Oliveira MT, Souza GE, Lima RS, et al. Cardiovascular Care in Brazil: A Study Sponsored by Viatris. Brazilian Journal of Cardiology. 2023.
  1. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, et al. 2016 ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975. doi:10.1002/ejhf.592.
  1. McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, et al. ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure. Eur Heart J. 2012;33(14):1787-847. doi:10.1093/eurheartj/ehs104.
  1. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 2017;70(6):776-803. doi:10.1016/j.jacc.2017.04.025.
  1. Krum H, Abraham WT. Heart Failure. Lancet. 2009;373(9667):941-55. doi:10.1016/S0140-6736(09)60236-1.
  1. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estatísticas de Câncer no Brasil. INCA. 2022.
  1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Guia de Tratamento da Insuficiência Cardíaca Crônica. Rev Bras Cardiol. 2022.
  1. WHO. World Report on Ageing and Health. World Health Organization. 2015.

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