Fernando Alcoforado*
“Pensar fora da caixa” é uma expressão oriunda do inglês “Think outside the box”. Quando esta expressão é usada, geralmente está se referindo à habilidade de pensar em soluções criativas fora do padrão para qualquer que seja o problema apresentado. Engajar-se na procura de coisas novas, observando-as sob outro ângulo, procurando novas alternativas que atendam às necessidades é o ponto de partida para se pensar fora da caixa. Foi pensando fora da caixa que Immanuel Wallerstein, falecido recentemente, quebrou o paradigma de análise do processo de desenvolvimento ao formular a teoria do sistema mundo. Wallerstein defendia a tese de que a unidade de análise deve ser o “sistema mundo” e não o Estado-nação no qual, as esferas econômica, política e sociocultural são vistas como estreitamente conectadas e não separadas, conforme a abordagem tradicional. Em outras palavras, Wallerstein considerava um erro metodológico analisar um Estado nação isoladamente do contexto do “sistema mundo”.
Segundo Immanuel Wallerstein, a economia mundial é regido por um sistema, o sistema-mundo capitalista que é composto por uma divisão entre centro, periferia e semiperiferia e que surgiu no século XVI no início do processo de globalização com as grandes navegações inauguradas com a descoberta da América. Os países mais desenvolvidos do mundo integram o centro do sistema-mundo os quais integram o núcleo orgânico da economia capitalista mundial, isto é, os países da Europa Ocidental (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Escandinávia, Alemanha, Áustria, Suíça, França, Reino Unido e Itália), da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), da Oceania (Austrália e Nova Zelândia) e Japão. Para Wallerstein, o centro é a área de grande desenvolvimento tecnológico que produz produtos complexos; a periferia é a área que fornece matérias-primas, produtos agrícolas e força de trabalho barata para o centro. A troca econômica entre periferia e centro é desigual: a periferia tem de vender barato os seus produtos enquanto compra caro os produtos do centro. Quanto à semiperiferia trata-se de uma região de desenvolvimento intermediário que funciona como um centro para a periferia e uma periferia para o centro (WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system – Vol. 1, 2, 3. Berkeley and Los Angelis: University of California Press, 2011).
A semiperiferia é caracterizada por Wallerstein como um elemento estrutural necessário por realizar um papel estabilizador entre os países no sistema internacional semelhante ao da classe média dentro da configuração de classes em um país. A semiperiferia assumiria ainda uma função, nos dizeres de Arrighi, de “legitimação sistêmica”, mostrando à Periferia que existe a possibilidade de mobilidade dentro da divisão internacional do trabalho para os que forem suficientemente “capazes” e/ou “bem-comportados”. Segundo Arrighi, a condição semiperiférica é descrita como aquela na qual um número significativo de Estados nacionais como o Brasil permanece estacionado de forma permanente entre as condições central e periférica, e que, apesar de ter passado por transformações sociais e econômicas de longo alcance, continua relativamente atrasado em aspectos importantes (ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997).
Pode-se afirmar que uma das razões do insucesso na promoção do desenvolvimento econômico e social da quase totalidade dos países periféricos e semiperiféricos do mundo pode ser atribuída ao fato de os governos desses países não pensarem “fora da caixa” formulando seu processo de desenvolvimento com ênfase na análise dos fatores internos de cada país na promoção do desenvolvimento nacional, isto é, de forma isolada em relação ao sistema-mundo capitalista. O novo referencial teórico de análise do sistema econômico de uma nação deveria levar em conta o sistema-mundo capitalista proposto por Wallerstein que se contrapõe ao método cartesiano que formula o desenvolvimento do sistema econômico nacional de forma isolada. Esta é uma das razões do fracasso do nacional desenvolvimentismo e de implantação do socialismo real que resultou do fato de seus mentores terem admitido promover o desenvolvimento econômico e social nacional sem levar em conta a existênxia do sistema- mundo capitalista (WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking Social Science. Cambridge: Polity Press, 1991).
A teoria do sistema-mundo teve como formulador Immanuel Wallerstein e como seus principais pensadores André Gunder Frank, Samir Amin, Giovanni Arrighi e Theotonio dos Santos, intelectuais ligados à “teoria da dependência”, os quais afirmam que a “dependência” expressa subordinação dos países periféricos e semiperiféricos em relação aos países capitalistas centrais cujo atraso econômico não era forjado por sua condição agrário-exportadora ou por sua herança pré-capitalista, mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista dependente do país e por sua inserção subordinada no capitalismo mundial. Portanto, a superação do subdesenvolvimento dos países periféricos e semiperiféricos deveria resultar do fim da dependência e não da modernização e industrialização da economia como foi preconizado, por exemplo, pela CEPAL (Comissão Econômica pra a América Latina) na década de 1950. Os fatos da realidade confirmam, por exemplo, o equivoco do desenvolvimento do Brasil ter se apoiado em capitais estrangeiros e em tecnologia externa adotado a partir de 1955 com o governo Juscelino Kubitscheck e o aprofundamento desta dependência com a adoção do modelo econômico neoliberal desde 1990.
Um fato é evidente: a transformação de país capitalista periférico ou semiperiférico para a condição de desenvolvido é bastante difícil de realizar conforme foi demonstrada por Arrighi em sua obra A ilusão do desenvolvimento. Após a 2ª Guerra Mundial, o Japão e a Itália foram os únicos países que saíram da condição de semiperiféricos para a de integrantes do núcleo de países desenvolvidos e a Coréia do Sul foi o único país da periferia do sistema-mundo capitalista que evoluiu para a condição de semiperiférico (ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997). A tese que vigorava após a Segunda Guerra Mundial de que seria possível a todas as nações periféricas e semiperiféricas alcançarem o estágio de elevado nível de desenvolvimento desfrutado pelos países capitalistas centrais, sobretudo pelos Estados Unidos não se realizou. A partir da segunda metade do século XX, houve várias tentativas de promoção do desenvolvimento econômico e social em vários os países do mundo que fracassaram sejam aqueles nos marcos do capitalismo com o nacional desenvolvimentismo encetado, por exemplo, no Brasil e aquelas com a implantação do socialismo.
Pode-se afirmar que países capitalistas periféricos e semiperiféricos como o Brasil só promoverão seu desenvolvimento se levarem ao fim sua dependência externa (econômica e tecnológica) em relação aos países capitalistas centrais como fizeram, por exemplo, o Japão, a Coreia do Sul e a China na segunda metade do século XX. Realizar a ruptura econômica e tecnológica em relação aos países capitalistas centrais não significa o desenvolvimento autárquico, mas promover prioritariamente o desenvolvimento interno do país com abertura econômica seletiva em relação ao exterior como fizeram o Japão, a Coreia do Sul e a China nas décadas de 1970, 1980 e 1990, respectivamente. A ruptura da dependência significa ativa participação do Estado no planejamento da economia nacional visando o desenvolvimento das forças produtivas do país e do mercado interno, a produção interna em substituição de produtos importados e para exportação, o desenvolvimento de tecnologia própria e a formação de poupança interna na quantidade necessária para não depender de capitais externos para investimento. Esta estratégia propiciaria a expansão da economia nacional com a geração de negócios e de empregos suficientes para atender as necessidades do país, além de atenuar o impacto das crises que ocorram na economia mundial em consequência da guerra comercial desencadeada pelos Estados Unidos contra a China e da possível explosão da bolha da dívida mundial.
Os países, como o Brasil, que não superaram sua dependência em relação ao exterior aderindo ao modelo econômico neoliberal estão ameaçados de sofrer as consequências das crises da economia global que tendem a se agravar com a evolução do tempo. No Brasil, os resultados são: crescimento econômico negativo, desequilíbrios externos, desindustrialização do País, desnacionalização de empresas estatais, estagnação da produtividade, falência generalizada de empresas, desemprego em massa, dívida interna elevada e crise fiscal dos governos federal, estaduais e municipais.
* Fernando Alcoforado, 79, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).