Fernando Alcoforado*
No dia 19/05/2020, foram registradas no Brasil 17.509 mortes provocadas pela Covid-19 e 262.545 casos confirmados da doença. A última atualização do Ministério da Saúde, mostra que, nas últimas 24 horas, foram contabilizados 1.179 óbitos pela doença causada pelo novo Coronavírus, com média de uma morte a cada 73 segundos. Taxa de crescimento e letalidade da doença no Brasil está entre os 10 piores países estudados no mundo todo e o aumento da letalidade é o pior da América Latina. Entre os 291 casos do novo Coronavírus no Brasil, 28 estão hospitalizados —-o equivalente a apenas um entre dez infectados. A informação consta no boletim diário divulgado pelo Ministério da Saúde.
De janeiro de 2020, quando houve o registro do primeiro caso da Covid-19 no Brasil, até 20 maio de 2020, isto é, cerca de 5 meses, ocorreram em média 3.502 mortes por mês. Estima-se que entre 5% e 15% do total de infectados pelo novo Coronavírus estejam entre esses casos mais graves exigindo, em consequência, o atendimento em UTIs. A média de permanência de pacientes em UTIs no Brasil é de 12 a 21 dias ou aproximadamente 15 dias podendo cada leito de UTI atender, portanto, 2 doentes por mês. No Brasil, 17,9 mil dos 40,6 mil leitos de UTI existentes no País estão no SUS. A Associação de Medicina Intensivista Brasileira (AMIB) informa que os leitos de UTI privados têm taxa de ocupação média de 75%, os do SUS têm 95%. Isto significa dizer que, os leitos de UTIs do SUS já estão totalmente ocupados, enquanto resta apenas 25% de leitos de UTIs privadas, ou seja, 5.675 leitos.
Uma das consequências mais dramáticas da disparada de casos de Covid-19 é a lotação das UTIs. A oferta de leitos vem diminuindo dia a dia em várias capitais e, no Amazonas, os hospitais públicos já entraram em colapso. O Ceará se tornou o primeiro estado a ter ocupação total dos leitos de UTI. E a ameaça de colapso alcança as capitais de todo o país. Em São Paulo, pelo menos sete hospitais da cidade já estão com a capacidade de leitos de UTI acima dos 70%. O hospital Emílio Ribas, referência no tratamento de doenças infectocontagiosas chegou a ter 100% de ocupação das UTIs com pacientes do novo Coronavírus.
Para avaliarmos até quando o sistema de saúde terá capacidade de atender a população infectada pelo novo Coronavirus, foi admitido que não há mais disponibilidade de leitos de UTI do SUS e que fossem consideradas as hipóteses simplificadoras seguintes:
1) Número de infectados atual: 262.545 casos confirmados
2) Capacidade total de atendimento hospitalar por UTIs: 5.675 leitos privados que podem atender 11.350 pessoas por mês admitindo a permanência média do doente durante 15 dias
3) Demanda de UTIs: 5%, 10% e 15% do total de infectados pelo novo Coronavírus:
• Se ocorrer a demanda com 5% de infectados atuais: 13.127 leitos de UTIs (0,05 x 262.545 casos confirmados) > 5.675 leitos privados de UTI disponíveis
• Se ocorrer a demanda com 10% de infectados atuais: 26.254 leitos de UTIs (0,10 x 262.545 casos confirmados) > 5.675 leitos privados de UTI disponíveis
• Se ocorrer a demanda com 15% de infectados atuais: 39.382 leitos de UTIs (0,15 x 262.545 casos confirmados) > 5.675 leitos privados de UTI disponíveis
Se considerarmos que haja a disponibilidade da capacidade total de leitos privados de UTI de 22.700 leitos, ela não poderia atender uma demanda de infectados superior a 10% do total, isto é, 26.254 leitos de UTI. Conclui-se, portanto, a impossibilidade dos leitos privados de UTI atenderem demandas de infectados superiores a 10% do número atual total de infectados do Brasil.
Levando em conta os cálculos realizados, pode-se afirmar que o Brasil está próximo de colapsar seu sistema de saúde haja vista que os leitos de UTIs do SUS já estão no limite de sua capacidade e os leitos das UTIS privadas não têm capacidade suficiente (5.675 leitos no mínimo e 22.700 leitos no máximo) para absorver as demandas considerando 5%, 10% e 15% de doentes infectados. Diante desta situação catastrófica para o sistema de saúde do Brasil, não há outra alternativa senão adotar o “lockdown” imediatamente para paralisar o crescimento do número de infectados e de mortos que já supera 1.179 óbitos por dia. Este “lockdown” deve ser adotado especialmente em cidades e regiões críticas do ponto de vista da capacidade de atendimento do sistema de saúde.
Artigo assinado por Camilla Veras Mota sob o título Modelo matemático aponta colapso do sistema de saúde a partir de 21 de abril, disponível no website <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52300278> confirma nossas conclusões sobre o iminente colapso do sistema de saúde do Brasil. Este estudo conclui que, no ritmo atual de evolução da pandemia de Covid-19 no Brasil, o volume de unidades de terapia intensiva (UTIs) disponíveis no país não seria suficiente para atender a demanda a partir da semana do dia 21 de abril. No ritmo atual de evolução da pandemia de Covid-19 no Brasil, o volume de unidades de terapia intensiva (UTIs) disponíveis no país não seria suficiente para atender a demanda a partir da semana do dia 21 de abril. Essa projeção é baseada em um modelo matemático criado por um grupo de seis pesquisadores das áreas de Física e Medicina ligados às universidades federais de Alagoas e do Rio Grande do Norte, à Santa Casa de Maceió, ao Centro de Testagem e Acolhimento de HIV/AIDS de Itaberaba (BA) e à Escola Superior de Ciências da Saúde, em Brasília.
O estudo, publicado no dia 3 de abril, foi submetido a publicação internacional e é preliminar, ou seja, ainda não foi avaliado por pares — mas mostrou aderência aos dados reais pelo menos até o último dia 15 de abril: a evolução do números de mortos divulgados pelo Ministério da Saúde (um indicador com menor subnotificação do que o volume total de casos e, por isso, mais confiável) tem sido consistente com as previsões apontadas pela equipe e usadas como base para o cálculo da utilização dos leitos de UTI nos hospitais. O trabalho leva em consideração ainda as medidas de distanciamento social atualmente vigentes — a chamada “quarentena voluntária” —, seu impacto na redução da transmissão da doença e o percentual médio de infectados que precisam ser internados nas unidades de terapia intensiva por apresentarem quadros mais graves de infecção nos pulmões.
As projeções do modelo desenvolvido pelo grupo de pesquisadores apontam para um número total de infectados de 3,15 milhões, com 393 mil mortos em um período que não está predeterminado, mas que, segundo o pesquisador, se concentraria em alguns meses. Ele ressalta, entretanto, que esse é o cenário de “inércia”, caso as medidas atuais não sejam endurecidas. Os pesquisadores também fizeram projeções para cenários alternativos para avaliar a efetividade das medidas tomadas até agora. Caso não houvesse qualquer tipo de restrição de deslocamento, por exemplo, o número total de infectados seria de 30,47 milhões, com 1,45 milhão de mortos. Em um cenário de isolamento vertical como aquele defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, com distanciamento social apenas daqueles com mais de 60 anos, seriam cerca de 26 milhões de infectados e 723 mil mortos.
Um fato é indiscutível: o Brasil tem menos leitos do que países que já colapsaram seus sistemas de saúde diante da Covid-19 como Espanha e Itália, recordistas de mortes pelo novo Coronavírus. Estes países têm cerca de 3 vagas de hospital para cada mil habitantes, enquanto o Brasil tem apenas 1,95 por mil habitantes. Para superar os problemas do Brasil, é preciso se inspirar nos países que estão conseguindo frear o avanço do novo Coronavírus.
Texto de Rafael Garcia sob o título Veja em gráfico os países estão conseguindo frear o coronavírus, disponível no website <https://extra.globo.com/…/veja-em-grafico-os-paises-estao-c…>, informa que o desempenho superior do Japão e de Cingapura chama a atenção ao evitar uma alta taxa de crescimento da epidemia porque reagiram rapidamente para isolar casos realizando testes e adotando o distanciamento social mantendo políticas rígidas desde então. A China e a Coreia do Sul se destacam por terem conseguido barrar suas curvas de crescimento depois de sofrerem aumento explosivo de casos. Os chineses adotaram uma política de toque de recolher e de bloqueio nos transportes a partir do 24º dia de epidemia. Os coreanos tiveram sucesso com medidas de distanciamento social e ampla testagem de casos suspeitos e rastreamento/isolamento de pessoas contatadas como doentes. Na Itália e no Irã, onde o número de casos começou a explodir ainda em fevereiro de 2020, a curva de crescimento da epidemia começa a dar sinais de ceder. Ambos aumentaram suas medidas de contenção ao longo de março, como a extensão do toque de recolher. Países que demoraram a empregar medidas semelhantes como o Brasil, os Estados Unidos e o Reino Unido, ainda estão verificando um aumento brutal no número de casos registrados, superior a 30% por dia.
Pelo exposto, fica demonstrado o iminente colapso do sistema de saúde no Brasil e a necessidade imperiosa da adoção de medidas que estão sendo bem sucedidas nos países acima citados, incluindo o “lockdown”. Para evitar o colapso do sistema de saúde, é urgente que os governos em todos os níveis (federal, estadual e municipal) convirjam para o mesmo objetivo de enfrentar juntos as crises de saúde e econômica resultantes do novo Coronavirus. O insucesso do Brasil na realização do distanciamento social pleno para evitar a propagação do vírus resulta, fundamentalmente, do fato do presidente da República incentivar a volta das pessoas ao trabalho em oposição ao trabalho de governadores e prefeitos e a ineficácia do ministério da saúde que teve dois ministros demitidos por se oporem aos desejos de Bolsonaro. Além disso, o governo Bolsonaro contribui para que as pessoas saiam às ruas na busca de sua sobrevivência e as micro, pequena e média empresas operem durante a pandemia para não falirem, porque dificulta a liberação da renda básica para a população e a ajuda com empréstimos aos micro, pequeno e médio empresários. Apesar da aprovação dos recursos pelo Congresso Nacional para a população vulnerável e para os empresários necessitados em março deste ano, os recursos continuam represados pelo governo Bolsonaro. Sem a colaboração do governo federal na superação das crises de saúde e econômica, o Brasil caminhará inevitavelmente para o colapso do sistema de saúde e o consequente o assassinato coletivo da população brasileira pelo novo Coronavirus com a morte de 500 mil a 1 milhão de brasileiros cujo principal responsável será o governo Bolsonaro.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019