Uma pessoa é diagnosticada com diabete tipo 2 quando alguns marcadores de concentração de açúcar no sangue mostram níveis acima de um certo limite. Mas, muitos anos antes dessa elevação do nível glicêmico, o organismo já apresenta diversas alterações metabólicas que poderiam ser utilizadas como marcadores do risco de desenvolver a doença no futuro. Agora, um novo estudo realizado nos Estados Unidos, com participação brasileira, mostrou que alterações em proteínas que transportam o colesterol no sangue podem ser detectadas e utilizadas como um novo marcador para o risco de diabete.
Publicada na revista científica Journal of Clinical Lipidology, a pesquisa foi realizada por um grupo de cientistas na Universidade de Harvard (Estados Unidos). O primeiro autor do artigo é o cardiologista brasileiro Paulo Harada, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da Universidade de São Paulo (USP) e da Divisão de Medicina Preventiva da universidade americana, onde atuou por dois anos com patrocínio da Fundação Lemann.
De acordo com Harada, a diabete afeta até 9% da população mundial e é uma das principais causas de enfarte, perda de visão, disfunção dos rins e problemas de circulação nos membros. “Esses riscos podem estar presentes ao longo da trajetória de anos ou décadas que antecedem o diagnóstico do diabete tipo 2”, disse Harada ao Estado.
O cientista explica que a avaliação dos níveis de glicose no sangue é o padrão para o diagnóstico da diabete, mas não é capaz de detectar as outras alterações sanguíneas associadas ao risco quando a glicemia ainda é normal.
“Não estamos falando de um novo método diagnóstico, mas sim de um marcador de risco. A detecção precoce do risco de desenvolver a doença pode orientar medidas para evitar ou atrasar a instalação da doença e suas complicações”, declarou.
Segundo Harada, muitos anos antes do diagnóstico de diabete já ocorre um processo de resistência insulínica – a incapacidade dos órgãos para absorver glicose em resposta à insulina. Nessa fase, porém, os desequilíbrios na taxa de açúcar do sangue são compensados por uma maior produção de insulina pelo pâncreas. Quando o pâncreas deixa de fazer essa compensação, a doença aparece.
“Na trajetória que antecede a diabete, a resistência insulínica está presente precocemente e já promove uma série de alterações nas subpartículas de lipoproteínas que têm a função de transportar o colesterol no sangue. O marcador se baseia na análise das concentrações de três dessas lipoproteínas: VLDL, LDL e HDL”, explicou.
A partir dos valores das concentrações dessas lipoproteínas de resistência insulínica, os cientistas estabeleceram o marcador, batizado de LPIR, que consiste em uma pontuação que vai de 0 a 100. Quanto maior o valor, maior o risco de diabete.
Para validar o novo marcador, os cientistas analisaram dados de 25 mil mulheres que foram avaliadas ao longo de 20 anos nos Estados Unidos. A concentração das partículas que formam o LPIR foi medida por espectroscopia de ressonância magnética.
“As mulheres com pontuação de LPIR acima de 67 tiveram um risco 2,2 vezes maior de desenvolver diabete, em comparação às mulheres com pontuação menor que 30”, disse. Harada.
Cuidados para quem já tem o diagnóstico de diabetes– De acordo com o pesquisador, o estudo mostra que o LPIR estava associado a um risco maior de diabete mesmo nas mulheres sem histórico familiar da doença e com peso, glicose e outros parâmetros normais. “A conclusão é que esse marcador detecta parte do risco que não é revelado pelos métodos tradicionais.”
O risco de desenvolver diabete é classificado como “baixo” quando fica abaixo de 3%, “intermediário” quando fica entre 3% e 10% e como “alto” quando supera os 10%, segundo Harada. “Observamos que o marcador se mostrou especialmente preciso entre as pessoas com risco intermediário e poderia ser usado para reclassificar o risco desses pacientes de forma adequada”, declarou.
Amostra saudável. Segundo Harada, dois estudos anteriores já sugeriam a associação entre as lipoproteínas de resistência insulínica e o risco de desenvolver diabete tipo 2 no futuro, mas o novo estudo tem resultados mais robustos por ter sido validado em um grande número de pessoas saudáveis.
“O que nosso estudo tem de excepcional é que ele detectou o risco de diabete ao longo de 20 anos, enquanto pesquisas anteriores observaram tal associação em períodos mais curtos. Além disso, avaliou pessoas mais saudáveis que nos estudos anteriores, portanto supostamente com baixo risco de diabete”, explicou.
O médico destaca que a diabete tipo 2 pode ser evitada ou ter seu curso atrasado por melhora de dieta e atividade física. “Do ponto de vista da saúde pública, nosso estudo confirmou que a diabete é uma doença cuja evolução demora décadas antes que os sintomas apareçam – isso só reforça a necessidade de manter um estilo de vida saudável”, disse.
Diabete cresce 300% no mundo; entenda a doença e veja se você corre riscos– “No contexto da atual epidemia de diabete tipo 2, esse marcador pode ser mais uma alternativa para identificar precocemente a silenciosa trajetória até a doença”, afirmou Harada.
As pesquisas para que o marcador seja utilizado clinicamente em avaliações de risco de diabete, porém, ainda têm um longo caminho pela frente. “Ainda serão muitos passos. Teremos que gerar um corpo de conhecimento maior, incluindo estudos com outras populações e avaliações de custos, por exemplo”, disse Harada.
Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes