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Nota oficial da Febrasgo sobre posição do CFM

No Brasil o aborto só é legal em caso de estupro, risco de morte da mãe e bebês anencéfolos. Na lei não cita o número de semans da gestação. O CFM divulgou uma resolução, proibindo o aborto legal, após 22 semanas de  gestação.

A FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, que representa cerca de 15.000 (quinze mil) médicos ginecologistas e obstetras brasileiros, através da sua Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei (CNE-VS), vem se manifestar contrariamente à Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de número 2.378, aprovada em 21 de março de 2024 e publicada em 03 de abril de 2024.

A referida resolução veda “ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas.”

No Brasil, há 3 exceções nas quais o aborto é permitido: na gestação decorrente de estupro, nos casos de risco de vida materna (Código Penal, art. 128) e nos casos de feto com anencefalia (ADPF 54, Supremo Tribunal Federal).

A OMS não estipula limite de idade gestacional para a realização do aborto, e considera que “todos têm direito ao progresso científico e direito à saúde, o que requer a disponibilidade e acesso, aceitabilidade e qualidade do cuidado ao aborto”. Diretrizes internacionais de países onde o acesso ao aborto seguro é garantido recomendam a realização da assistolia fetal antes do procedimento de esvaziamento uterino nas gestações acima de 22 semanas.

Nos termos atuais da Resolução, o CFM acaba proibindo a realização de abortos após as 22 semanas, uma vez que a realização da indução de assistolia fetal é procedimento necessário e essencial para o adequado cuidado ao aborto. Com isto, o CFM estabelece restrições ilegais ao acesso ao aborto, estabelecendo limites de tempo gestacional para o procedimento, no Brasil – restrições estas que não encontram respaldo na legislação atual, além de desconsiderar paradigmas importantes de Direitos Humanos, expressos em Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O CFM impõe limitações a um direito, qual seja a realização da indução de assistolia fetal no cuidado ao aborto em idade gestacional superior a 22 semanas. Desta forma, a resolução do CFM torna as mulheres vítimas de estupro penalizadas pela imposição de uma idade gestacional limite para a realização da antecipação terapêutica do parto.

Sob a ótica dos Direitos Humanos, o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Convenção de Direitos da Criança; todos estes tratados obrigam os Estados a proteger as pessoas contra os riscos físicos e mentais associados ao aborto inseguro, e estabelecem que a redução da mortalidade materna (incluindo entre meninas e adolescentes) passa pela prevenção do aborto inseguro.

Por fim, o CFM impõe às mulheres, adolescentes e meninas, em especial às de maiores vulnerabilidades, iniquidades em seu acesso à saúde, uma vez que o acesso tardio ao aborto seguro é consequência de um sistema de saúde que impõe bloqueios diversos a quem busca abortar dentro das previsões legais.

Idealmente, as mulheres que solicitam abortamento previsto em lei deveriam ter acesso aos serviços de saúde nos primeiros meses de gestação, quando a interrupção é mais simples e fácil de ser realizada. É compromisso da FEBRASGO, através da CNE-VS e demais Comissões Nacionais Especializadas, investir no fortalecimento dos serviços de referência na atenção às mulheres, adolescentes e meninas em situação de violência.

A Resolução, portanto, não atende ao propósito alegado de “proteção à vida”. Ao contrário, amplia vulnerabilidades já existentes e expõe justamente as mulheres mais carentes e mais necessitadas do apoio e da assistência médica.

Diante de tudo isto, a FEBRASGO se posiciona contrária à Resolução CFM nº 2.378, solicitando ao CFM sua revogação.

 

Referências:

American College of Obstetrics and Gynecology. ACOG Practice Bulletin No. 135: Second trimester abortion. (2013)

Barwinski , SLLB. O abortamento à luz do direito. Em: Andrade RP. Violência sexual contra mulheres. Aspectos médicos, psicológicos, sociais e legais do atendimento. Curitiba: Imprensa da UFPR. 227 p. pág. 163-204.

Brasil. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. DOU de 25.7.1991, republicado 11.4.1996 e republicado em 14.8.1998. Dispõe sobre os Planos de Previdência Social e dá outras providências.

Foster DG, Kimport K. Who seeks abortions at or after 20 weeks? Perspect Sex Reprod Health. 2013 Dec;45(4):210-8. doi: 10.1363/4521013. Epub 2013 Nov 4. Erratum in: Perspect Sex Reprod Health. 2019 Sep;51(3):185.

 

Kimport K. Is third-trimester abortion exceptional? Two pathways to abortion after 24 weeks of pregnancy in the United States. Perspect Sex Reprod Health. 2022 Jun;54(2):38-45. doi: 10.1363/psrh.12190.

Organização Mundial da Saúde. International Classification of Diseases 11th Revision (2022). The global standard for diagnostic health information.

Organização Mundial da Saúde. Abortion care guideline. (2022).

Organização Mundial da Saúde. Abortion care guideline. Web annex A. Key international human standards on abortion. (2022)

Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Fetal. Clinical recommendations for late termination of pregnancy including fetal death. (2017).


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Jorge Roriz

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