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Mulheres negras falam de violência

Mulheres negras   que sofreram diversos tipos de violência tiveram a oportunidade de relatar nesta sexta-feira (30) à Organização dos Estados Americanos (OEA), durante audiência pública na capital paulista, casos nos quais foram vítimas. Os depoimentos colhidos pela relatora de Direitos de Afrodescendentes e Mulheres da OEA, Margarette Macaulay, que veio ao Brasil conhecer essa realidade e receber  o dossiê sobre a violência sofrida por mulheres negras no Brasil das mãos de ativistas das organizações Geledés e Criola.

No Brasil, os assassinatos de mulheres brancas tiveram redução de 9,3% em dez anos (2002 a 2013), enquanto os assassinatos de mulheres negras tiveram um aumento de 54,2% no mesmo período, segundo dados do dossiê, que é uma compilação de dados oficiais do país.

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“O dossiê é resultado de um relatório que nós apresentamos para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA denunciando as violações, as violências sofridas pelas mulheres negras brasileiras”, contou Nilza Iraci, do Geledés.

Diante do aumento dos casos de violência contra a mulher negra, houve a reflexão. “Se nós temos instrumentos, temos leis, temos a Lei Maria da Penha, alguma coisa não estava batendo. Se tem uma lei que combate a violência contra todas as mulheres, o que estava acontecendo?”, questionou.

“Quando nos debruçamos sobre a questão, começamos a verificar que não se tratava só de violência doméstica e sexual, que nós não poderíamos falar em ‘violência’ contra a mulher, nós teríamos que falar em “violências”, ressaltou Nilza.

O documento explicita diversos casos de violência, como vítimas de violência obstétrica, assassinatos de lésbicas, transexuais e travestis, racismo institucional e no sistema de justiça, intolerância religiosa e racismo na internet, além das violações sofridas pelas mães dos jovens negros assassinados.

O relatório inicial – reunindo dados e histórias – foi apresentado à OEA em abril último, quando também foram encaminhadas recomendações à entidade, entre elas, a de designar um representante para que viesse ao país e verificasse as violações denunciadas.

“Eles acataram a nossa recomendação e designaram a Margarette Macaulay para dialogar com essas mulheres que estão citadas no dossiê, dialogar com essas situações. Estamos fazendo essa audiência para que ela ouça essas mulheres. Na verdade, o que vamos apresentar a ela é um microcosmo diante dessa violência absurda que as mulheres negras sofrem cotidianamente”, disse Nilza.

Violência presente

“No começo era uma maravilha. Ele era uma pessoa muito boa, que mostrava muito carinho e muito respeito por mim. Até o dia do primeiro tapa. E do tapa veio ferro, veio coronhada, eu tenho uma cicatriz no rosto, veio humilhação verbal, psicológica, humilhação física”. É assim que Maria Aparecida da Silva Souto, pedagoga, 48 anos, começou a contar como era a rotina de seu primeiro casamento, cotidiano de violência que ela suportou calada por muito tempo.

“E eu aguentei tudo calada porque as pessoas… Uma vez eu contei e ninguém acreditou. Falou “imagina”, ele tava nervoso. Melhor com ele, pior sem ele”, contou Maria. Mais de vinte anos depois, ela ainda se emociona ao tocar no assunto, mas acredita que as coisas mudaram, especialmente por causa da Lei Maria da Penha. “Precisou de uma mulher quase morrer para a gente ter esse direito de gritar e falar”.

A Lei Maria da Penha ajudou a reduzir a violência contras as mulheres, no entanto, as mulheres negras só veem a violência crescer contra elas. O dossiê aponta que, nas mortes por agressão, as mulheres negras são 64% das mulheres vítimas de assassinatos no Brasil.

Pactos Internacionais contra a violência

O documento avalia ainda que, apesar de o Brasil ser signatário de Pactos Internacionais contra a violência contra as mulheres e de ter legislação específica, como a Maria da Penha, além de políticas, programas e redes de serviços voltados para o enfrentamento dessa violência, “não existe qualquer mecanismo voltado para o enfrentamento do racismo, seus impactos na produção da violência contra as mulheres negras, e ao racismo institucional incorporado a estas ações”.

“Em 2015, o Brasil aprovou a lei 13.104 sobre feminicídios, que destaca os assassinatos de mulheres relacionados às desigualdades de gênero no país. No entanto, estas leis e demais instrumentos relativos à violência contra mulher negligenciam as iniquidades provocadas pelo racismo e a complexidade da violência enfrentada pelas mulheres negras”, destaca o dossiê.

Um dos objetivos da audiência pública foi mostrar histórias de pessoas que estão por trás das estatísticas. “O que está por trás desses números, qual é a situação de fato das mulheres violadas, estupradas, das mães, das trans, das lésbicas, o que está por trás disso? E tentar, a partir daí, uma ação mais efetiva do governo, eu tenho certeza que o governo vai ser instado para dar respostas”, afirmou Nilza.

Além disso, ela acredita que a audiência terá o papel de reunir as mulheres que estão em luta contra as diversas violências sofridas. “É um momento em que elas vão se encontrar e perceber que não estão sozinhas”, finalizou.

Fonte: Agência Brasil

Redação Saúde no Ar

João Neto

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