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MSF pede que Johnson & Johnson abandone monopólio de patentes sobre medicamento para tuberculose

Bedaquilina, medicamento para tratamento da tuberculose resistente, segue inacessível a muitos pacientes, inclusive no Brasil

Antes da reunião anual de acionistas da Johnson & Johnson (J&J), prevista para esta quinta-feira, 27 de abril, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) exige que a corporação dos EUA se comprometa publicamente a não impor suas patentes secundárias sobre a bedaquilina, medicamento contra a tuberculose (TB), em todos os países com alta incidência da doença.

MSF também pede que a empresa permita que outros fabricantes forneçam versões genéricas mais acessíveis e de qualidade garantida para todos e em todos os lugares onde houver necessidade. O acesso a versões genéricas da bedaquilina a preços acessíveis está sendo bloqueado pelas patentes secundárias da J&J em pelo menos 25 dos 43 países com alta carga de TB ou TB resistente a medicamentos (TB-DR).

O tratamento para TB-DR por via oral, que tem como base a bedaquilina, é muito mais eficiente e tolerável do que o regime anterior, no qual o paciente tem de ser submetido a injeções dolorosas por um longo período e com um índice de cura de cerca de 50%.

A patente da J&J sobre o composto base de bedaquilina expira em 2023 na maioria dos países, mas a empresa recorreu a uma estratégia conhecida como “evergreening”, que é a prática de registrar patentes adicionais, muitas vezes sobre uma modificação pouco relevante do produto, para estender o monopólio sobre o medicamento. Neste caso, as patentes adicionais ampliam o monopólio da J&J até 2027 em muitos países com alta carga de tuberculose.

No Brasil, onde o tratamento ainda não está foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os pedidos de extensão da patente do medicamento ameaçam impedir a produção de genéricos mais acessíveis pelo menos até 2026.

“Em países com alta carga de tuberculose, como o Brasil, a disponibilidade de um regime totalmente oral de seis meses para o tratamento de pessoas com tuberculose resistente pode ser um divisor de águas ao garantir que mais pacientes possam iniciar e concluir o tratamento mais cedo, com melhores resultados e menos efeitos colaterais”, afirmou Francisco Viegas, consultor de políticas de inovação médica da Campanha de Acesso de MSF.

“Quando o tratamento da infecção por HIV foi lançado pela primeira vez, a concorrência entre os produtores de genéricos ajudou a baixar os preços dos medicamentos e acelerou o lançamento do tratamento em muitos países”, disse Christophe Perrin, farmacêutico de TB da Campanha de Acesso de MSF. “Estamos profundamente preocupados com o fato de que o alto preço persistente da bedaquilina continuará a impedir que os países implementem os regimes orais mais recentes, mais curtos e que mudam o jogo para o tratamento de formas mortais e resistentes a medicamentos da tuberculose”, expressou Perrin. “É hora de a J&J agir de forma responsável, prometendo não impor patentes secundárias para a bedaquilina, retirando todos os pedidos de patentes relacionados e não acionando fabricantes de genéricos que poderiam exportar versões acessíveis do medicamento para países com alta incidência de tuberculose, onde as patentes secundárias permanecem”, defendeu.

Em uma decisão histórica tomada mês passado, o Escritório de Patentes da Índia rejeitou uma dessas tentativas da J&J, negando à corporação uma patente secundária no país, que estenderia o monopólio da farmacêutica por mais quatro anos. A decisão foi resultado de um pedido feito por duas sobreviventes da tuberculose – Nandita Venkatesan, da Índia, e Phumeza Tisile, da África do Sul. Ambas foram forçadas a suportar os tratamentos mais antigos e mais agressivos da TB-DR, que duraram até dois anos e causaram graves efeitos colaterais: as duas perderam a audição.

Como resultado da decisão na Índia, os fabricantes do país poderão produzir e fornecer versões genéricas acessíveis e de qualidade garantida da bedaquilina assim que a patente principal expirar, em julho deste ano.

A bedaquilina é a base de quase todas as combinações de tratamento recentemente recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a TB-DR, mas atualmente representa entre 35% e 40% do preço dos regimes mais curtos e de 35% a 70% dos mais longos. O medicamento é o principal fator de custo no regime BPaLM, um tratamento totalmente oral com duração de seis meses recomendado pela OMS (composto por bedaquilina, pretomanida, linezolida e moxifloxacina).

O custo total estimado para o BPaLM é de US$ 570, e a bedaquilina representa US$ 272 deste valor. Atualmente, o preço cobrado internacionalmente pela J&J pela bedaquilina é de US$ 1,50 por dia para o tratamento de uma pessoa adulta (US$ 272 em seis meses). Porém, com o aumento da produção e da concorrência dos genéricos, espera-se que o preço da bedaquilina caia, aproximando-se do valor de US$ 0,50 por dia, conforme estimado por pesquisadores.

A tuberculose foi a principal causa de mortes entre as doenças infecciosas até a pandemia da COVID-19. O número de pessoas recém-diagnosticadas com TB em 2020, incluindo TB-DR, caiu 18% em relação ao ano anterior devido a interrupções nos sistemas e serviços de saúde causadas pela pandemia, com recuperação apenas parcial em 2021. Em 2021, somente uma em cada três pessoas com TB-DR recebeu tratamento para a doença.

MSF está engajada no tratamento da TB há 30 anos, muitas vezes trabalhando junto a autoridades nacionais de saúde para tratar pacientes em uma grande variedade de ambientes, incluindo zonas de conflito, periferias, prisões, acampamentos de refugiados e áreas rurais. Em setembro de 2021, por meio de 60 programas em 41 países, MSF tratou 17 mil pessoas com TB e 2.300 pessoas com TB-DR, inclusive com os medicamentos mais recentes.

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Jorge Roriz

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