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Mercúrio nas terras Yanomami afeta gravemente a saúde dos índigenas

A crise sanitária que atinge a terra indígena Yanomami ganhou destaque nos últimos anos, relacionada ao avanço do garimpo ilegal, que tem levado fome, desnutrição, doenças infecciosas e a contaminação por mercúrio para essa população. Em parceria com a Fiocruz, o Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas (HC) da USP avaliou os efeitos neurológicos da contaminação em longo prazo dos indígenas do Alto Rio Mucajaí, em Roraima, por metilmercúrio. O estudo mostrou que neuropatia periférica e desempenho cognitivo reduzido foram as principais consequências neurológicas encontradas.

A neuropatia periférica compreende doenças que afetam os nervos ao longo do corpo, alterando a força e a sensibilidade nos braços, mãos, pernas e pés; sendo a causa mais conhecida, a diabete. Já o desempenho cognitivo reduzido afeta outra série de ações do dia a dia, como memória, aprendizado, linguagem e concentração.

A neuropatia periférica foi encontrada em 30% dos indígenas que participaram do estudo, enquanto o desempenho cognitivo reduzido, em 35% deles. No entanto, entre os 10% que apresentaram níveis de metilmercúrio no organismo acima de 6 microgramas por grama de cabelo – valor equivalente a seis vezes o limite recomendado pela agência de proteção ambiental dos Estados Unidos –, mais de 75% das pessoas apresentaram neuropatia periférica, e mais de 90% tinham o desempenho cognitivo reduzido.

“Não é uma situação em que você vai ter um problema amanhã, um grande número de intoxicados incapacitados. Mas nada impede de ter um grande grau de incapacidade acumulando ao longo dos anos”, comenta Gabriel Kubota, coordenador do Centro de Dor do no HC e um dos autores da publicação na revista Toxics, que explica que a falta de acesso ao sistema de saúde é um agravante da situação.

A contaminação por metilmercúrio
O estudo, liderado pela Fiocruz, mostrou que todos os indígenas Yanomami analisados estavam contaminados por metilmercúrio. Esse tipo de contaminação é conhecida como ambiental. “Nessa situação, o mercúrio cai no ambiente e reage com as moléculas, formando compostos que acabam entrando na cadeia alimentar e sendo ingeridos pelos seres vivos na região”, explica Kubota. A forma mais segura e eficaz de medir os níveis de metilmercúrio acumulado no organismo ao longo do tempo é através do cabelo.

Paulo Basta, pesquisador do Fiocruz e também autor da pesquisa, que atua na área de saúde indígena há mais de 25 anos, explica que “nos últimos anos a região do Alto Rio Mucajaí foi extremamente invadida por garimpeiros”, no entanto, a exposição dos indígenas ao mercúrio teve início na década de 1980, levando a mais de 40 anos de exposição. “A crise sanitária experienciada no território Yanomami em 2022 foi pior que a vivenciada no final dos anos 1980 por causa do potencial devastador maior do garimpo”, completa.

“A gente tem dados nesse sentido [de análise de contaminação de mercúrio] desde a metade da década de 1990, mas continua assim”, sinaliza Kubota. “[O estudo] coloca mais uma pedrinha, mostrando para a gente que, talvez, as coisas não mudaram tanto”, e complementa que “com isso [o estudo], a gente consegue trazer dados para que seja discutido em um nível maior quais as próximas mudanças que poderiam ser feitas para regulamentar e evitar que continue um processo que vai trazer consequências cada vez maiores para essa população”.

Yanomamis do alto rio Mucajaí sofrem com ação do garimpo
O artigo feito em colaboração com o Departamento de Neurologia do HC é parte de um estudo realizado pelo grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que gerou o relatório técnico Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente, realizado em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

A pesquisa, que acaba de ser divulgada, surgiu por intermédio do pedido da Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima, através de carta à Fiocruz, em outubro de 2021. Na carta, a associação demonstra sua preocupação com a presença dos garimpeiros e que, sabendo que a Fiocruz já tinha realizado trabalhos semelhantes, pede que analisem a presença de mercúrio entre os indígenas Ninam, com objetivo de saber se as pessoas e o ambiente estavam contaminados. As visitas, com intuito de coletar informações, começaram em outubro de 2022.

Contando com uma série de recomendações, o relatório evidencia dados como a falta de acesso a serviços de saúde e os efeitos do garimpo na região. Entre as crianças, apenas 15% está com a vacinação em dia, e a contaminação por mercúrio atinge também os peixes e os sedimentos dos rios da região, além de toda a população analisada.

“Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na terra Yanomami e comprova que nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave!”, diz o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Vitório Kopenawa em entrevista ao Instituto Socioambiental de Roraima, sobre os resultados encontrados.

No relatório, além das pesquisas voltadas à contaminação do mercúrio, também constam dados sobre a saúde dos Yanomami Ninam, com informações sobre medidas antropométricas, doenças transmissíveis e crônicas, avaliações pediátricas e características sociodemográficas de 300 pessoas de nove aldeias na região do Alto Rio Mucajaí. Paulo Basta destaca que “o mercúrio é só a ponta do iceberg dos problemas relacionados ao garimpo. Nessa base [do iceberg] nós temos uma série de outros problemas. E a gente não pode perder isso de vista quando fala dos impactos do garimpo nas terras indígenas”.

Com informações do Instituto Socioambiental e da Fiocruz

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

 

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