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Lixo Urbano no Brasil: Entre a Sustentabilidade e o Desvio de Recursos

Lixo Urbano no Brasil: Entre a Sustentabilidade e o Desvio de Recursos

A encruzilhada entre boas práticas ambientais e um sistema comprometido por fraudes bilionárias

A gestão do lixo urbano no Brasil revela um cenário ambíguo. Enquanto municípios adotam soluções inovadoras para lidar com os resíduos sólidos de forma sustentável, outros se veem atolados em ineficiência estrutural, baixa adesão da população à coleta seletiva e escândalos envolvendo corrupção em contratos públicos.

Em abril de 2025, a Operação OverClean, deflagrada pela Polícia Federal em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), lançou luz sobre um esquema bilionário de fraudes em licitações e desvios de verbas públicas no setor de limpeza urbana, revelando um dos maiores casos de corrupção ambiental dos últimos anos no país.

 

Eficiência: quando a gestão funciona

Cidades como Caxias do Sul (RS) e Curitiba (PR) são exemplos positivos no cenário nacional. Caxias inovou ao implantar a coleta mecanizada com contêineres ainda em 2007, reduzindo os impactos ambientais e os custos operacionais. Curitiba, por sua vez, possui um dos sistemas de educação ambiental e logística de resíduos mais antigos e bem estruturados do país, com forte engajamento da população.

Outros exemplos incluem o Recicla Sampa, projeto da capital paulista, e o Coleta Seletiva Solidária, de Belo Horizonte, ambos focados na ampliação da coleta seletiva e na inclusão de cooperativas de catadores. Essas cidades investem em tecnologia, educação ambiental, infraestrutura e fiscalização, alcançando melhores índices de reciclagem e reaproveitamento.

 

O lado sombrio: falhas estruturais e corrupção sistêmica

No entanto, a realidade da maioria dos municípios brasileiros está distante desse modelo. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), mais de 3 mil cidades ainda destinam seus resíduos a lixões ou aterros controlados, em desacordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

A Operação OverClean revelou a profundidade desse problema. Prefeituras e empresas privadas estariam envolvidas em um esquema de contratos superfaturados, pagamentos por serviços não prestados e formação de cartel para dominar o mercado da limpeza urbana. Estima-se que o valor total dos contratos sob investigação ultrapasse R$ 1,4 bilhão.

Empresas investigadas operavam em diversas regiões do país, com envolvimento de agentes públicos, servidores e empreiteiras. Em muitos casos, áreas que deveriam receber coleta regular de lixo estavam abandonadas, enquanto recursos públicos eram desviados para benefício de poucos.

 

Desafios estruturais e culturais

Além da corrupção, o país enfrenta desafios crônicos:

  • Baixo índice de coleta seletiva (apenas cerca de 17% dos municípios oferecem o serviço de forma adequada);
  • Falta de educação ambiental nas escolas e comunidades;
  • Desvalorização das cooperativas de catadores, muitas vezes excluídas dos contratos municipais;
  • Infraestrutura sucateada e má gestão dos resíduos orgânicos, que ainda representam mais de 50% do lixo doméstico.

A ausência de fiscalização, aliada à fragilidade administrativa de muitas prefeituras, agrava o problema e facilita práticas ilícitas como as investigadas pela PF.

 

Para onde vamos?

Superar essa crise exige mais que boas intenções. É preciso:

  • Fortalecer os órgãos de controle e fiscalização;
  • Criar critérios técnicos rigorosos para licitação de serviços de limpeza urbana;
  • Estimular a economia circular, promovendo reaproveitamento e compostagem;
  • Educar a população, desde a infância, sobre a importância da separação correta dos resíduos;
  • Integrar cooperativas de catadores aos sistemas formais, promovendo dignidade e eficiência.

 

O Brasil vive uma encruzilhada: pode se tornar uma referência em gestão sustentável de resíduos ou permanecer preso a um ciclo de desperdício e corrupção. A escolha passa por decisões políticas, investimentos públicos bem aplicados e, principalmente, compromisso com a ética e o meio ambiente.

A operação OverClean é um sinal de alerta: não há sustentabilidade sem integridade. E a verdadeira limpeza urbana começa por limpar o sistema que deveria garantir o seu funcionamento.

 

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