No dia 11 de agosto de 2014, foi publicada a Lei nº 13.021/2014 que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas, tendo sido objeto de grande celeuma pela divergência interpretativa havida entre os Hospitais e Conselhos de Farmácia em todo o Brasil.
Segundo dispõe o parágrafo único do art. 8º da Lei nº 13.021/2014 “aplicam-se às farmácias privativas de unidade hospitalar ou similar as mesmas exigências legais previstas para as farmácias não privativas no que concerne a instalações, equipamentos, direção e desempenho técnico de farmacêuticos, assim como ao registro em Conselho Regional de Farmácia”.
Tendo como base a referida norma, os Conselhos Regionais de Farmácia passaram a exigir dos hospitais: a) a contratação e a presença de profissional farmacêutico em período integral, independentemente do número de leitos da unidade de saúde; e b) o registro do Hospital no respectivo conselho regional e o pagamento de anuidade. As consequências advindas dessa imposição se tornam especialmente graves pela recusa dos CRFs em conceder o Certificado de Regularidade da Farmácia Hospitalar, documento exigido pela Vigilância Sanitária para concessão do Alvará Sanitário. Além disso, deixando de recolher a anuidade exigida pelo Conselho de Farmácia, o Hospital passou a se sujeitar a situação de débito fiscal.
Sem o necessário alvará sanitário e/ou em situação de débito fiscal, o Hospital não poderá exercer suas atividades ou receber recursos públicos, tais como os que se originam de convênios ou contratos firmados com os gestores do SUS.
Diante da situação posta, em reunião que participei como membro do Conselho Jurídico da Confederação Nacional da Saúde, em Brasília, representando naquela ocasião a FEBASE – FEDERAÇÃO BAIANA DE SAÚDE – HOSPITAIS, ESTABELECIMENTOS E SAÚDE, analisamos a referida lei, cujas conclusões são as seguintes:
1. Do registro da farmácia hospitalar – Ausência de personalidade jurídica própria
O art. 8º da Lei nº 13.021/2014 trouxe a exigência de registro das farmácias privativas das unidades hospitalares junto ao respectivo Conselho Regional, como se estas, assim como as farmácias “convencionais” e drogarias possuíssem personalidade jurídica própria ou fossem unidades autônomas, que pudessem ser destacadas da integralidade dos Hospitais.
Entretanto, de acordo com a lição doutrinária, o Hospital é uma universalidade de fatos, formado por um conjunto de instalações, aparelhos, instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde. Desse modo, a farmácia integra o conjunto de instalações das unidades hospitalares com mais de 50 leitos, como um departamento necessário à consecução da atividade fim do Hospital, qual seja, a prestação de assistência médica.
Logo, por se tratar de um dos diversos departamentos que compõem complexa estrutura organizacional dos Hospitais com mais de 50 leitos, as farmácias hospitalares não possuem de personalidade jurídica própria, o que impede o seu registro junto ao Conselho Regional de Farmácia. Por outro lado, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 6.839/1980 “o registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.”.
Verifica-se, pois, que as empresas estão sujeitas ao registro exclusivo na entidade competente para fiscalização da sua atividade fim. No caso de unidade hospitalar, o serviço de farmácia não constitui atividade fim, mas atividade meio, que não autoriza a exigência de registro no conselho profissional dessa profissão. Portanto, em virtude de a atividade básica desenvolvida pelos Hospitais ser notoriamente vinculada a prestação de serviços de medicina (atendimento hospitalar), o registro somente poderá ser exigido por um único conselho profissional, no caso, pelos Conselhos Regionais de Medicina, entidade nas quais os Hospitais já são regularmente inscritos. De mesmo modo, não há que se falar em pagamento de anuidade ao respectivo Conselho Regional de Farmácia, haja vista que os Hospitais já recolhem anuidade aos Conselhos de Medicina.
2. Da necessidade de manutenção de farmacêutico responsável técnico durante todo o funcionamento das farmácias privativas das unidades hospitalares
Segundo dispõe o art. 6º da Lei 13.021/2014 para o funcionamento das farmácias de qualquer natureza, exigem-se a autorização e o licenciamento da autoridade competente, além de ter a presença de farmacêutico durante todo o horário de funcionamento.
Amparado nesta previsão, os CRFs têm exigido de todos os Hospitais, independentemente do número de leitos, a presença de profissional farmacêutico em período integral, haja vista o funcionamento ininterrupto dos nosocômios.
No entanto, consoante se infere do texto legal, a obrigatoriedade de manutenção do farmacêutico deve ficar restrita ao período de funcionamento da farmácia privativa hospitalar, ou seja, enquanto subsistir o ato de fornecimento de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Do mesmo modo, da leitura do art. 15, §1º, da Lei 5.991/1973 percebe-se que a permanência do farmacêutico é obrigatória somente durante o horário de funcionamento da farmácia:
Art. 15 – A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.
§ 1º – A presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.
Dessarte, conclui-se que a obrigatoriedade de manutenção do profissional farmacêutico está vinculada ao horário de funcionamento das farmácias privativas das unidades hospitalares, jamais durante todo o horário de funcionamento do Hospital.
Contudo, em que pese o entendimento que chegamos, não se desconhece a existência de decisões isoladas determinando que hospitais com mais de 50 leitos mantenham farmacêutico em período integral de funcionamento da unidade hospitalar.
3. Dos dispensários de medicamentos
Balizado pelo disposto no art. 5º da Lei nº 13.021/2014, os CRFs ampliaram a interpretação da letra da lei ao exigirem a presença de farmacêutico, também em tempo integral, nos dispensários de medicamentos dos Hospitais.
Ocorre que a Lei nº 13.021/2014 não revogou os conceitos trazidos pelo art. 4º da Lei nº 5.991/1973, os quais permanecem hígidos. Inequívoca, portanto, a diferenciação havida entre farmácia, drogaria, posto de medicamento / unidade volante e dispensário de medicamentos, únicos estabelecimentos competentes para dispensação de medicamentos.
Desta forma, as pequenas unidades hospitalares (hospitais de pequeno porte) não possuem farmácia hospitalar, mas sim dispensário de medicamento.
Vale ressaltar que em 2004 o Ministério da Saúde editou o Glossário – Projeto de Terminologia em Saúde, o qual definiu hospital de pequeno porte como sendo aquele “cuja capacidade é de até 50 leitos”. Os conceitos de dispensário de medicamento e hospital de pequeno porte foram encampados pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que no julgamento do REsp 1.110.906/SP, feito pela sistemática dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C do CPC, decidiu pela desobrigação de manter profissional farmacêutico para a “pequena unidade hospitalar ou equivalente”, atualmente, entendido como o Hospital com 50 (cinquenta) leitos, a teor da regulamentação específica do Ministério da Saúde. Desta forma, concluímos que os hospitais com menos de 50 leitos encontram-se desobrigados de manter em seus dispensários de medicamentos o profissional farmacêutico.
4. Da Conclusão
Diante do exposto, com base no que aqui destacamos, entendemos que os hospitais:
a) que não devem submeter ao registro legal / formal e ao pagamento de anuidade aos Conselhos Regionais de Farmácia, haja vista que o registro das empresas se dá em razão da sua atividade fim, que no caso dos Hospitais é a prestação de assistência médica;
b) Com mais de 50 leitos que mantenham profissional farmacêutico responsável técnico durante todo o horário de funcionamento da farmácia hospitalar e;
c) Com menos de 50 leitos, não se submetam à exigência de manutenção de profissional farmacêutico responsável técnico, porquanto não se exige a presença do referido profissional nos dispensários de medicamentos.