Entidades se unem para esclarecer à população sobre mudanças nos planos de saúde, informando à sociedade e às entidades que atuam na defesa da saúde e do consumidor sobre a gravidade dos retrocessos nas mudanças pretendidas para a Lei de Planos de Saúde.
No dia 27 de setembro, o relator da Comissão Especial sobre Planos de Saúde da Câmara dos Deputados, Rogério Marinho (PSDB-RN), apresentou verbalmente, em reunião com entidades, os principais pontos que pretende inserir em seu relatório.
Presentes na reunião, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) alertam para os principais absurdos e retrocessos anunciados pelo relator:
1. REVOGAÇÃO DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE (Lei nº 9.656)
É clara a intenção do relator, expressa desde o convite, de revogar a Lei nº 9.656, de 1998 e estabelecer um novo marco legal para o mercado de planos e seguros de saúde:
“No dia 27 de setembro próximo se realizará, em meu gabinete, reunião técnica para a discussão do projeto de lei de minha relatoria que visa estabelecer o marco legal das operadoras de plano de saúde. Rogério Marinho”. O que isso significa: A Comissão Especial da Câmara aproveita o caos político em que se encontra o país para “desregulamentar” a saúde suplementar, retroceder nos abusos praticados na década de 1990, antes da Lei nº 9.656/98, atendendo aos interesses particulares e demandas exclusivas das empresas de planos de saúde.
2) SEGMENTAÇÃO DE COBERTURAS ASSISTENCIAIS
O relator tem intenção de instituir o plano barato (acessível ou popular), mediante redução do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que é a lista dos procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória pelos planos de saúde. A adesão ao rol completo e atualizado seria, segundo o relator, facultativa. A pessoa, família ou empresa que contrata um plano de saúde, escolheria quais procedimentos quer incluir no plano, quais doenças quer que sejam cobertas e, com isso, pagaria menor preço da mensalidade.
O que isso significa: Como são imprevisíveis os problemas de saúde, os planos com rol reduzido representam risco óbvio à saúde e à vida de pacientes e impõem problemas éticos e de responsabilidade profissional aos médicos, que não terão à disposição os procedimentos necessários para adequado diagnóstico e tratamento. Essa proposta representa uma drástica elevação da judicialização desses contratos.
3) REAJUSTE APÓS 60 ANOS DE IDADE
Outra intenção é a de alterar o Estatuto do Idoso, que hoje proíbe reajuste após os 60 anos. A alegação do relator é que os reajustes que hoje incidem antes dos 60 anos precisam ser “diluídos” após essa idade, com o “parcelamento” do aumento. O que isso significa: Na prática, as operadoras poderão aplicar reajuste após 60 anos. O idoso será “expulso” dos planos de saúde, por impossibilidade de pagamento, como ocorria antes do Estatuto do Idoso e da Lei nº 9.656/98.
O pretexto é que o valor do plano aumenta muito antes dos 60 anos e, com a alteração, haveria maior diluição temporal do impacto do valor na mensalidade. Em vez de corrigir a distorção, a intenção do relator é deixar ao arbítrio das operadoras os reajustes de mensalidades dos planos durante a fase de vida de redução da renda e aumento das necessidades de atenção à saúde.
4) DIMINUIÇÃO DO VALOR DO RESSARCIMENTO AO SUS
O relator quer reduzir o valor que as operadoras, por lei, devem restituir ao SUS sempre que clientes de planos de saúde são atendidos na rede pública. Hoje, conforme regra da ANS, o valor de ressarcimento ao SUS resulta da multiplicação do Índice de Valoração do Ressarcimento (IVR), estipulado em 1,5 (ou seja, 50% maior), que é o valor lançado no documento do SUS de autorização ou de registro do atendimento, internação, procedimento ou exames.
Os valores cobrados pela ANS e pagos pelos planos são repassados integralmente para o Fundo Nacional de Saúde (FNS). O relator afirmou que este valor será reduzido, mas não especificou qual será a nova fórmula de cálculo ou percentual de redução; e que o ressarcimento será destinado para municípios e estados, não mais para o FNS.
O que isso significa: Com a redução do valor a ser ressarcido, o SUS perde ainda mais recursos justamente no momento de ajuste fiscal e de redução do financiamento público da saúde. O ressarcimento realizado diretamente a hospitais e municípios é ruim, pois incentiva o atendimento privado em serviços públicos, com objetivo de angariar recursos, a chamada “dupla porta”. O repasse ao FNS permite que o recurso beneficie o SUS como um todo, sem privilegiar os locais com maior concentração de planos de saúde. Além disso, a função do ressarcimento é “educar” operadoras para que não “empurrem” idosos, doentes crônicos, tratamentos caros e complexos para o SUS. Com a sua redução, este comportamento das operadoras seria incentivado.
5) EXTINÇÃO DE PROJETOS DE LEI QUE BENEFICIAM OS USUÁRIOS
A proposta de novo marco legal elimina mais de 140 projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que buscam revisar de forma adequada as regras aplicadas aos planos de saúde. Muitos desses projetos de lei são voltados à ampliação das garantias de coberturas e ao fim de abusos na cobrança de mensalidades.
O que isso significa: As propostas anunciadas pelo relator não tem nenhuma relação com o teor projetos de lei. Portanto, nem o relator, Rogério Marinho, e nem o Congresso Nacional estão autorizados pela população para revogar desta forma a Lei dos Planos de Saúde e os direitos dos consumidores.
6) REDUÇÃO DO VALOR DE MULTAS
O relator está firme no seu propósito de redução do valor e gradação das multas aplicadas pela ANS contra planos de saúde, pauta antiga do setor.
O que isso significa: As penalidades são aplicadas quando os consumidores denunciam abusos ou ilegalidades das operadoras, como quando não são atendidos, não conseguem encontrar bons hospitais ou laboratórios, ou tem cobertura negada de forma indevida. Atenuar o poder dessas penalidades desestimulará as operadoras a respeitar os direitos que os consumidores ainda possuem e reduzirá o efeito de suas denúncias e a fiscalização da ANS.
7) OUTROS PONTOS
O relator mencionou ainda outros pontos, como mudanças para favorecer as Cooperativas (como as Unimeds) e os planos de Autogestão, que passariam a ter regras diferenciadas. Anunciou uma “Lista de Princípios” na nova lei, com ênfase no “respeito à segmentação ofertada”, o que, na prática, pode reduzir a incidência do Código de Defesa do Consumidor na solução de conflitos envolvendo planos de saúde.
Defendeu a inclusão de vacinação nos procedimentos dos planos de saúde, o que pode parecer um avanço, mas na prática atende interesses da indústria de vacinas e é uma ameaça ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do SUS, referência internacional de política pública de saúde, pois o Brasil colocaria em risco a cobertura vacinal, a vigilância e o controle de doenças.
CONCLUSÃO
À gravidade dos retrocessos nas mudanças anunciadas pelo relator, soma-se a inexplicável tramitação em regime de urgência, com previsão de votação pelo Plenário da Câmara dos deputados até novembro de 2017, conforme afirmou o relator. Não houve transparência na condução, a toque de caixa, dos trabalhos da comissão especial. Entidades da sociedade civil, Conselho Nacional de Saúde, organizações de defesa do consumidor e mesmo órgãos governamentais não tiveram espaço suficiente para se pronunciar. Com poucas exceções, as audiências foram palco para a exposição de empresários interessados em ampliar o mercado.
O teor das mudanças divulgadas pelo relator atendem exclusivamente aos interesses das empresas e donos de planos de saúde, assíduos financiadores de campanhas eleitorais e, como recentemente se verificou da denúncia da Procuradoria-Geral da República, acusados de pagamento de propinas para compra de medida provisória de interesse do setor.
Com a crise política, moral e de credibilidade que assola o Congresso Nacional, este não é o momento de votação de uma nova lei, sem o devido debate democrático, com impacto negativo no SUS e ameaça à saúde de mais de 48 milhões de brasileiros conveniados a planos de saúde.
Fonte: Ascom Abrasco, Cebes e Idec
Foto: Pixabay
Redação Saúde no Ar