Uma pessoa infectada pelo vírus Zika depois de já ter tido dengue não apresenta necessariamente um quadro mais severo da doença do que alguém que não teve contato com o vírus da dengue. A conclusão é de estudo publicado na revista Clinical Infectious Diseases, no mês passado. A pesquisa foi realizada com 65 pessoas que moravam em São José do Rio Preto, no norte do estado de São Paulo, e teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Esse é o primeiro trabalho a indicar que, em seres humanos, uma infecção prévia por dengue não leva necessariamente a um quadro mais grave de zika. Em estudos anteriores, realizados somente com células e com roedores, houve a indicação que o fato de uma infecção anterior por dengue potencializaria os efeitos do vírus Zika. Segundo a Fapesp, o estudo sugere que o que ocorre com células in vitro e roedores pode não acontecer com seres humanos.
“Nossos resultados indicam que esse agravamento não ocorre ou, se ocorrer, é muito raro e não pôde ser detectado em um estudo como esse”, disse o virologista e coordenador da pesquisa Maurício Lacerda Nogueira, segundo informações da Agência Fapesp.
Entre janeiro e julho do ano passado, a equipe de Nogueira coletou as amostras de sangue de pessoas com febre e sintomas de dengue ou zika atendidas em um pronto-socorro de São José do Rio Preto. A análise do material mostrou que 45 pacientes tinham infecção por zika e 20 por dengue, além de indicar que 78% daqueles com zika e 70% das pessoas com dengue já tinham sido infectadas pelo vírus da dengue em momento anterior.
Imunização parcial
De acordo com o estudo, quando surgiu a epidemia de zika, surgiram suspeitas de que a infecção prévia por dengue pudesse originar quadros mais graves, como ocorre na dengue hemorrágica. Segundo dados divulgados pela Fapesp, cerca de 90% dos casos de dengue hemorrágica atingem pessoas que já tiveram dengue antes e são infectadas por um subtipo diferente do vírus. O que ocorre é que os anticorpos produzidos pelo sistema imunológico contra um dos subtipos da dengue nem sempre consegue neutralizar o outro de maneira eficaz.
“Segundo uma hipótese chamada incremento dependente de anticorpos [ADE], a imunização incompleta parece facilitar a entrada do vírus nas células do sistema de defesa em que ele consegue se reproduzir, aumentando o número de suas cópias no organismo e a gravidade da infecção. Como os vírus da dengue e da febre zika são muito semelhantes [integram a família dos flavivírus], imaginava-se que a imunização parcial observada após a infecção por dengue também pudesse ocorrer quando alguém que já teve dengue contrai zika”, de acordo com a pesquisa.
A equipe de Nogueira, com a ajuda do imunologista Jorge Kalil Filho, da Universidade de São Paulo, comparou a quantidade de cópias do vírus Zika no sangue de pessoas infectadas anteriormente com dengue com a quantidade encontrada no sangue de quem jamais foi exposto ao vírus da dengue. Se a infecção anterior por dengue facilitasse a multiplicação do Zika, a quantidade de vírus deveria ser bem mais alta no corpo do primeiro grupo de pacientes, mas não foi o que ocorreu. A concentração, segundo os pesquisadores, foi semelhante nos dois grupos.
“Esses resultados não excluem totalmente a possibilidade de que a ADE [incremento dependente de anticorpos] ocorra, mas são uma evidência importante de que ter tido dengue não leva a uma infecção mais severa por Zika”, disse Kalil. “Na realidade, há relatos não publicados de que pessoas que já tiveram dengue apresentaram uma forma mais branda de infecção ao contrair zika.”
Segundo Kalil, os resultados podem ajudar a diminuir o receio de algumas pessoas em relação à vacina contra a dengue. “Houve o temor de que vacinar a população contra a dengue pudesse levar a casos mais severos de zika. Os resultados que obtivemos agora indicam que esse problema não deve existir.”
Agência Brasil com informações da Agência Fapesp