Não queremos que o cenário de poliomielite se repita, ainda mais quando contamos com um Programa Nacional de Imunizações tão bem estruturado
Voltando aos citados no título, alguns fatos mostram as ligações existentes entre Roosevelt, Getúlio e a poliomielite. Os dois líderes se encontraram em 28 de janeiro de 1943, naquela que ficou conhecida como a Conferência de Natal ou Conferência do Potengi, por ter ocorrido a bordo de um destroier no Porto de Natal, às margens do Rio Potengi.
Getulinho, um dos filhos de Getúlio, foi acometido por poliomielite e faleceu aos 23 anos, em 1943.
Anteriormente, em 1921, Roosevelt teve uma doença neurológica que na época foi diagnosticada como poliomielite, mas hoje se considera, pelas características da paralisia e sua evolução, que tenha sido alguma outra doença neurológica.
Paralelamente a isso, na década de 1940, dois graves problemas de saúde pública afetavam a cidade de São Paulo. Vários acidentes deixavam os corredores do Hospital das Clínicas (HC), recém-inaugurado, repleto de pacientes, e a cidade vivenciava uma epidemia de poliomielite.
Diante dessa realidade, surgiu a necessidade da construção urgente de um hospital que recebesse os pacientes vítimas de acidentes e de poliomielite. Atendendo a um pedido do professor Francisco Elias de Godoy Moreira, na época titular de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP e diretor clínico do HC, Getúlio Vargas autorizou a construção do que é hoje o maior hospital especializado em ortopedia e traumatologia do País e que completou 70 anos de existência: o IOT do HCFMUSP, com obras iniciadas em 1944 e inauguração em 31 de julho de 1953. A unidade ocupava uma área de 20 mil metros quadrados e já era naquela época considerada uma das mais bem equipadas do mundo.
Posto isso, em que ponto da História ocorre o novo encontro entre Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt? Justamente no saguão principal do IOT, construído com verbas destinadas por Getúlio, encontra-se uma bengala usada por Roosevelt e doada por sua mulher, Eleanor Roosevelt.
No Brasil, o último caso de poliomielite foi registrado em 1989. Em 1994 a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou oficialmente a doença eliminada do território nacional.
Após a erradicação da poliomielite, o IOT-HCFMUSP passou gradativamente a mudar seu perfil, se adaptando às necessidades da população.
Atualmente, o IOT tem 25 mil metros quadrados de área construída, com 11 salas cirúrgicas, 32 consultórios médicos, 155 leitos, 1,2 mil funcionários, dos quais 160 médicos, e realiza mensalmente 2,6 mil atendimentos de urgência e emergência, 9 mil consultas ambulatoriais e cerca de 500 cirurgias, sendo considerado um dos principais centros de pesquisa do Brasil, reconhecido como Centro Médico de Excelência da Fifa, o único com equipe especializada em reimplantes de membros 24 horas, referência para atendimento de trauma raquimedular e procedimentos de alta complexidade, estando relacionado entre os 80 melhores hospitais de ortopedia do mundo.
No entanto, faz-se necessário enfatizar que há o risco de ressurgimento da poliomielite, em decorrência da baixa adesão às campanhas de vacinação. Desde 2015 o Brasil não tem atingido a meta de vacinar 95% do público-alvo, patamar necessário para que a população seja considerada protegida.
A cobertura vacinal tem diminuído progressivamente desde 2015, estando atualmente em um patamar bem abaixo do desejado, levando o Brasil a ser atualmente classificado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) como de risco alto para o retorno da poliomielite.
Para quem não viveu a época da poliomielite e não tem ideia do sofrimento e preocupação existentes na população, recomendamos ler o livro Nêmesis, do grande escritor americano Philip Roth. No romance a ação se passa em Nova Jersey, em 1944, e é descrito de forma impressionante um surto de poliomielite, que provoca caos e desespero na população. Não queremos que esse cenário se repita no Brasil, ainda mais quando contamos com um Programa Nacional de Imunizações tão bem estruturado.
A fórmula para evitar que a poliomielite volte ao País é aumentar a vacinação, mediante esforço urgente do poder público para sensibilizar a população, com reativação das campanhas e programas de imunização de forma intensiva e rápida. Faz-se urgente que a população volte a procurar os postos de vacinação.
*SÃO PROFESSORES TITULARES DO DEPARTAMENTO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Fonte: ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO