Evento debateu plantas medicinais na visão de territórios tradicionais afro-brasileiros

Como os saberes tradicionais afro-brasileiros se dão na prática? Quais são os lugares ocupados pelas plantas medicinais nos territórios tradicionais, influenciados pelas religiões de matrizes africanas? Que contribuições os saberes tradicionais trazem ao Sistema Único de Saúde (SUS)? E como o SUS pode e deve apropriar-se deste vasto legado? As respostas a estas perguntas permearam o 1º Encontro Saberes Tradicionais, Plantas Medicinais e Saúde: o legado dos territórios tradicionais afro-brasileiros, realizado na última sexta-feira (15/9), na Fiocruz, no Rio de Janeiro (RJ).

Organizado pela Comunidade de Práticas de Saberes Tradicionais da Plataforma IdeiaSUS Fiocruz, o encontro reuniu profissionais de saúde, integrantes dos territórios tradicionais, pesquisadores e lideranças das religiões de matrizes africanas. Este primeiro encontro sobre plantas medicinais da IdeiaSUS Fiocruz ajuda com a disseminação e a multiplicação das ações de preservação do patrimônio histórico imaterial, existentes nos territórios tradicionais afro-brasileiros.

Da mesa de abertura, participaram Valber Frutuos, assessor de Relações Institucionais da Fiocruz; Valcler Rangel, assessor especial do Ministério da Saúde (MS); ogã Cléber Barbosa, do Grupo de Estudos Braulio Goffman; mestre Ele Semog, da Coordenadoria de Experiências Religiosas Africanas, Afro-brasileiras, Racismo e Intolerância Religiosa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); vereador Edson Santos, presidente da Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro; e Denise Vieira, do Coletivo de Erveiras e Erveiros do Salgueiro (RJ). “Caboclo foi no mato colher folhas. Caboclo foi no mato trabalhar…”, entoou Frutuoso um cântico de Caboclos, para saudar os presentes. “Queremos deixar o Ministério da Saúde à disposição para abrigar a temática”, realçou Rangel.

 

Especialistas falaram sobre o lugar das plantas medicinais nos terreiros tradicionais

Sobre as possibilidades de contribuição do saber tradicional afro-brasileiro na construção do SUS falaram a professora aposentada Yara Britto, do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o professor Danilo Ribeiro de Oliveira, da Faculdade de Farmácia e coordenador de Biodiversidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o professor Estélio Gomberg, da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA).

Yara Britto destacou-se falar sobre as muitas histórias relativas às plantas sagradas e medicinais que os terreiros têm a contar, focalizando o binômio tradição e ciência. “Tradição e ciência não são excludentes, mas sim complementares”, estimulou o debate. Terreiro, segundo ela, é um espaço físico onde tudo acontece, não somente espaço religioso. “É o lugar de encontro, conversa, festividades, comemorações, iniciação, cultivo de plantas, tradição e transmissão de conhecimento”, definiu, apresentando vários exemplos de plantas medicinais reconhecidas pela ciência, usadas também em terreiros.

Mencionando em vários momentos o Coletivo de Erveiras e Erveiros do Salgueiro, face especialmente ao trabalho de catalogação das plantas medicinais que realiza, ela reforçou: “Quando você identifica o exemplar, ela passa a ter nome e sobrenome”. Realçou, também, os passos a serem seguidos na identificação das plantas medicinais: depositar material em herbário; anotar dados de localização e procedência; complementar informações com dados de literatura; marcar matrizes e retirar material reprodutivo; produzir mudas da matriz selecionada; intercambiar material, registrando dados; e criar grupos para trocas de conhecimentos. “O ponto de partida é selecionar plantas de uso comprovado e que são ritualísticas. Estejam atentos às interações entre plantas e medicamentos”, orientou.

Danilo, por sua vez, focalizou as contribuições trazidas pelas medicinas tradicionais africana e indígena. Ele chamou atenção para o risco da mercantilização das práticas tradicionais, dando como exemplo a comercialização da Ayahuasca, comumente usada pelos povos originários. Realçou a importância das pesquisas sobre as plantas medicinais, da sistematização das informações e da criação de farmacopeias. “Precisamos dar visibilidade aos conhecimentos tradicionais, em respeito e pela valorização da ancestralidade”, finalizou.

Estélio sugeriu o aprimoramento das ações dos Saberes Tradicionais. “Para isso, é preciso ampliar o diálogo, envolvendo Ministério da Justiça, no combate aos racismos, em especial ao racismo religioso, Ministério do Meio Ambiente, no combate à biopirataria, e Ministério da Cultura, para que se tenha a valorização patrimonial, pensando o terreiro de candomblé e outras religiões afins como espaços de museus”, recomendou. “Precisamos trazer diversas vozes, setores, áreas de conhecimentos para institucionalizarmos o uso de vegetais nas políticas públicas”, finalizou.

Fonte : Agência Fiocruz
(foto: IdeiaSUS Fiocruz)

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