Trabalho analisa o impacto das variações climáticas extremas na saúde pública, enfatizando a necessidade de adaptação e políticas de mitigação.
De acordo com o observatório europeu Copernicus, abril de 2024 foi o mês mais quente já registrado globalmente, com temperatura média de 15,03°C, 0,61°C acima da média de 1991-2020. Recentemente, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) anunciou a chegada de uma onda de frio intenso no País, que ocorreu entre o final de maio e começo de junho, vinda da região Sul. Ambas as oscilações alertam sobre os perigos das variações extremas de temperatura e a necessidade de adaptação às mudanças climáticas em curso.
Para investigar o reflexo desses fenômenos na saúde populacional, uma tese de doutorado defendida por Sara Lopes de Moraes, sob orientação da professora Ligia Vizeu Barrozo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, analisou o impacto das ondas de frio e calor na mortalidade em São Paulo, com foco especial na população com 65 anos ou mais de idade. Intitulada O impacto das ondas de frio e de calor na mortalidade em São Paulo: uma análise espaço-temporal do excesso de mortalidade de pessoas com 65 anos ou mais de idade, a pesquisa expôs achados que podem orientar políticas de saúde na mitigação desses eventos extremos.
As oscilações climáticas têm um impacto significativo na saúde de pessoas com 65 anos ou mais. A pesquisadora atesta que esses eventos “aumentam a mortalidade entre os idosos, particularmente em grandes centros urbanos como São Paulo”, onde a desigualdade socioeconômica exacerba a vulnerabilidade. Durante ondas de calor, a taxa de mortalidade é elevada devido ao estresse térmico que sobrecarrega o sistema cardiovascular e respiratório dos idosos, que já possuem uma capacidade fisiológica reduzida para lidar com mudanças bruscas de temperatura. Por outro lado, a exposição ao frio intenso também eleva os riscos de complicações cardiovasculares e respiratórias, levando a um aumento significativo das internações e óbitos.
Fato é que eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais preocupantes em megacidades como a capital paulista. E, de acordo com Sara, “estudos anteriores já apontavam uma relação entre ondas de frio e calor e um aumento na mortalidade, especialmente entre os idosos”. No entanto, a nova pesquisa buscou aprofundar essa compreensão, considerando fatores socioeconômicos e a influência da Ilha de Calor Urbano (ICU) na cidade.
A ICU é um fenômeno no qual áreas urbanas ficam mais quentes que as áreas rurais ao redor devido à atividade humana, como edifícios e pavimentação, que retêm mais calor, além da poluição e falta de vegetação.
Temperaturas e mortalidade
Utilizando dados de temperatura, umidade, poluição do ar, óbitos e variáveis demográficas e socioeconômicas, a tese abrangeu o período de 2006 a 2015. “Durante o desenvolvimento do projeto, optei por focar em uma população particularmente vulnerável, ou seja, os idosos, com 65 anos ou mais de idade”, conta ela. Os resultados indicaram uma ligação significativa entre eventos extremos de temperatura e mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, sendo as ondas de calor particularmente perigosas para os idosos. Além disso, a intensidade da ICU e o nível de renda intraurbana foram identificados como influenciadores desse risco, com áreas de baixa renda apresentando maior vulnerabilidade.
“Considerar esses extremos é crucial. Não se trata apenas de observar a associação da temperatura, mas sim de levar em conta as variações”, esclarece Sara. “Tínhamos uma hipótese de que talvez não encontraríamos um risco significativo durante altas temperaturas, pois São Paulo experimenta meses de calor, e a população estaria mais acostumada”, conta a pesquisadora. No entanto, “observamos que, especialmente devido às condições de moradia e às vezes às frentes frias, que diminuem bastante a temperatura, também seria necessário considerar os eventos de frio, embora ocorram com menos frequência em comparação com os extremos de calor”, afirma.
Em vista disso, a especialista reforça sobre a necessidade de políticas de saúde voltadas para a mitigação dos impactos das ondas de calor e frio na população de São Paulo. “Medidas como sistemas de alerta para a população idosa, criação de abrigos de refrescamento durante ondas de calor e distribuição de água e frutas para pessoas em situação de rua”, enumera. A tese também sugere a criação de programas de assistência social que incluem visitas domiciliares regulares e campanhas de conscientização sobre os riscos associados às temperaturas extremas. Por fim, a pesquisadora enfatiza a importância do saneamento básico como um aspecto fundamental para garantir o acesso à água e o conforto térmico durante eventos climáticos extremos.
A combinação destas ações pode ajudar a minimizar os impactos adversos das mudanças climáticas, preservando a saúde e a vida da população idosa.
Para Sara Moraes, esse tipo de pesquisa contribui para realçarmos a importância de relacionar extremos de temperatura e a mortalidade. “Em épocas como essa, que observamos uma causalidade mais evidente em eventos como os alagamentos no Rio Grande do Sul, precisamos prestar atenção também nos extremos de temperatura que representam uma questão mais silenciosa”, finaliza.
Fonte: jornal da USP.