Com o ressurgimento da espiritualidade na pós-modernidade, e o crescente interesse dos pesquisadores da saúde em superarem o modelo de cuidados centrado no mundo biológico, têm proliferado no mundo acadêmico os estudos sobre o papel da dimensão espiritual na gênese e manutenção da sanidade. Tais estudos, pela consistência que apresentam, fizeram com que as organizações internacionais em saúde incluíssem questões sobre o tema, quando pretendem investigar a qualidade de vida.
Sabe-se hoje, através de múltiplas investigações científicas, que a devoção religiosa e a frequência a templos influem significativamente na redução do uso de álcool, cigarros e drogas, bem como na instalação e permanência de quadros depressivos. Também aumentaram a longevidade, a satisfação com a vida, em especial com o trabalho e a comunidade. Em grupos ortodoxos reduziram a mortalidade por doença coronariana e retardaram o surgimento de limitações em idosos. Práticas de meditação transcendental foram consideradas eficazes em reduzir níveis de pressão arterial. Alguns indicadores imunológicos, também, são afetados positivamente por tais comportamentos.
Portanto, de alguma maneira, o sentimento religioso proporciona melhor qualidade de vida independente das características específicas da crença. Estas pesquisas, entretanto, fixam-se nos resultados decorrentes das observações em torno de aspectos biológicos, sociais e psicológicos tradicionais. Não enfocam os benefícios espirituais propriamente ditos, pois ainda não reconhecem esta dimensão na sua especificidade. Limitam-se à vida material e seus correlatos.
Em que pese o caráter restrito e cauteloso do avanço científico, cuja credibilidade depende desta maneira de agir, é relevante saber que para uma boa prática clínica os profissionais de saúde já podem abordar tais questões com seus pacientes. E para realizá-la, devem conhecer as metodologias existentes, fruto da experiência acumulada em vários estudos universitários.
É interessante aprender a realizar uma história espiritual para familiarizar-se com os valores religiosos dos seus pacientes. Assim, poderá se perceber as interfaces entre os mesmos e as decisões terapêuticas, e ainda o papel da religião em provocar bem-estar ou desencadear stress. Também será importante identificar necessidades espirituais que precisem de apoio específico.
Nesta história espiritual, poderemos identificar motivações tanto para adesão, quanto para rejeição ao tratamento das patologias, reconhecer pessoas significativas que influenciam o paciente e perceber eventuais conflitos decorrentes da interpretação do significado da doença com relação ao merecimento espiritual. Ao fazê-lo com adequação, estreitamos o vínculo com o paciente se adotarmos uma atitude de compreensão empática com as suas crenças, o que o torna mais capaz de se revelar em sua inteireza.
Tal história deve incluir, segundo Todd Maugans, do Departamento de Medicina da Família da Universidade de Virgínia dos Estados Unidos, seis áreas a saber: o sistema de crenças e a existência de uma afiliação religiosa; sua experiência espiritual pessoal e o significado existencial; a integração dentro de uma comunidade espiritual com definição do seu papel e a caracterização de uma fonte de apoio; práticas espirituais recomendadas e proibições comportamentais de caráter religioso; implicações da espiritualidade na relação com os cuidados médicos; planejamento de eventos terminais. Este inventário por demandar um tempo nem sempre disponível pode ser restringido conforme as circunstâncias do adoecer e do paciente.
Conhecer também o lado sombrio das religiões com relação à saúde faz parte da necessidade de formação profissional, pois ela pode ser motivo de retardamento do tratamento, de exclusão de recursos terapêuticos, de crises de ansiedade e sentimentos de culpa, pelo medo que pode infundir ao relacionar doença com pecado.
Desta forma, contribuiremos para ampliar as chances de cumprir o princípio da integralidade no cuidado com o paciente. Bem informados, estaremos em condições de proceder adequadamente, seja dando respostas às necessidades mais prementes nos limites de nossa competência, ou recorrendo a instituições e pessoas religiosas com melhor formação ou vínculo.
Nada na vida é mais maravilhoso do que a fé – uma grande força motivadora que não podemos pesar na balança nem testar num cadinho de laboratório, afirmou William Osler, um dos mais notáveis personagens da História da Medicina.
Os conhecimentos atuais tornam factível ao profissional de saúde cumprir a tarefa de participar da experiência espiritual do paciente, tomando contato e estimulando o grande potencial curativo contido na fé, conforme lembrado pelo eminente médico Osler.
André Luiz Peixinho – Professor Titular da Escola Bahiana de Medicina e Adjunto da Faculdade de Medicina da Bahia.