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Economia mundial rumo à bancarrota

Fernando Alcoforado*

Segundo o relatório do Instituto de Finanças Internacionais, a dívida global aumentou em 3,3 trilhões de dólares no ano passado, para 243 trilhões de dólares. Os economistas alertam que, quando esta bomba de vários trilhões de dólares plantada sob a economia mundial explodir, a crise será pior do que a de 2008. Trata-se de um montante recorde três vezes superior ao PIB mundial. Nos países desenvolvidos, o índice de endividamento, extremamente elevado, atingiu 390% do PIB, enquanto que nos mercados emergentes o efeito foi ao contrário com o aumento da dívida que abrandou, atingindo seu nível mais baixo desde 2001. A economia mundial pode não resistir à dívida de 243 trilhões de dólares. É o fim do capitalismo globalizado?

Esta dívida incontrolável e gigantesca é o resultado da política irresponsável dos bancos centrais dos países do mundo que se tornaram incapazes de controlar o déficit público e estão viciados em imprimir dinheiro gerando inflação e em contrair dívidas. Os bancos centrais mundiais estão criando dívidas sem se preocuparem com o que poderá acontecer no futuro. No final de 2018, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou a insustentável dívida global como a principal ameaça para a economia mundial. O FMI afirmou que os governos da maioria dos países falharam na adoção de reformas necessárias para proteger o sistema bancário das ações arriscadas dos financistas, que causaram uma poderosa reação em cadeia e o colapso de 2008. A verdadeira máquina da dívida global são os Estados Unidos, cujo déficit quase triplicou desde 2000 e agora excede 73,6 trilhões de dólares, o que representa 106% do PIB.

A dívida das empresas não financeiras nos Estados Unidos está próxima dos máximos registados antes da crise de 2008. Muitos analistas financeiros acreditam que, por mais que a administração Trump tente se livrar do peso excessivo da dívida até o final do segundo mandato presidencial, a tendência de aumento da dívida pública norte-americana não será revertida, uma vez que a situação orçamentária está piorando. O déficit orçamentário federal dos Estados Unidos aumentou 17% no ano fiscal de 2018, alcançando 779 bilhões de dólares. A curto prazo, esta tendência se manterá devido à redução das receitas fiscais e ao aumento dos gastos com a defesa.

A previsão do Departamento de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos é o de que o déficit fiscal deste ano seja de US$ 897 bilhões e, em 2022, exceda a marca do trilhão. Já os bancos de investimento acreditam que a dívida pública norte-americana atingirá 140% do PIB até 2024. Especialistas especulam que o governo norte-americano tem pouco tempo para reverter esta situação que, caso contrário perdure, o país enfrentará uma crise em grande escala comparável à Grande Depressão dos anos 1930. Caso a economia global não seja capaz de digerir essa enorme dívida, a crise subsequente levará o mundo à depressão econômica, à pobreza em massa, instabilidade geopolítica, agitação política e guerras.

Segundo François Chesnais, professor emérito da Universidade de Paris 13, toda esta grave situação resulta do funcionamento da economia mundial que, desde o início dos anos 2000 se baseou em dois pilares: o regime de crescimento guiado pela dívida, adotado pelos Estados Unidos e pela Europa, e o regime de crescimento orientado por exportações globais, no qual a China é a principal base industrial e o Brasil, a Argentina e a Indonésia são os provedores-chave de recursos naturais. No entendimento de Chesnais, esta crise representa o beco sem saída, o impasse absoluto do regime guiado pela dívida. Chesnais afirma que o segundo pilar está levemente melhor, mas o crescimento baseado em exportações globais não poderá funcionar por muito tempo sem uma forte demanda externa, especialmente dos Estados Unidos e da União Europeia. Isto significa dizer que a demanda de commodities da China não terá capacidade de compensar a provável queda na demanda dos Estados Unidos e da União Europeia (CHESNAIS, François. Les dettes illégitime. Quand ês banques font main basse sur ês politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011).

A crise mundial em curso é um produto de mudanças que vêm acontecendo no mundo há vários anos. Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples. Os bancos passaram por um processo de transformação em sua atividade principal, deixando para trás sua função clássica de intermediário entre os poupadores e os emprestadores. Beneficiando-se da abertura da economia mundial a partir da década de 1990, estas instituições se transformaram em grupos financeiros diversificados e em conglomerados cujos lucros provêm principalmente da criação de crédito, que se converteu no principal meio de criação de moeda. Neste processo, os Bancos Centrais de todos os países do mundo perderam completamente o controle de suas economias nacionais. Os valores das transações mundiais citados por Chesnais ilustram a dimensão do setor financeiro: em 2002, o PIB mundial era de 32,3 trilhões de dólares, enquanto as transações financeiras somavam 1.140,6 trilhões de dólares. No início da crise, em 2008, enquanto o PIB mundial era de 60,1 trilhões, as movimentações financeiras atingiam 3.628 trilhões de dólares.

O ciclo de expansão e acumulação do capitalismo financeiro mundial esbarrou na imensa crise financeira global e na desaceleração sincronizada da atividade econômica com a crise mundial de 2008. A partir da eclosão da crise mundial em 2008, os governos em todo o mundo se tornaram reféns do sistema financeiro adotando políticas fiscais e monetárias favoráveis aos bancos para salvá-los da bancarrota e contrárias aos interesses de suas populações. Chesnais afirma que em 2008, a ameaça às finanças globais veio dos bancos de investimento dos Estados Unidos e das grandes seguradoras. O próximo episódio financeiro maior acontecerá quando um segmento do sistema bancário da Europa entrar em colapso na Grécia, Espanha ou Itália que está em curso.

Segundo François Chesnais não haverá um fim para a crise mundial enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no comando da economia mundial, com os governos adotando políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos rentistas e para dar sobrevida ao regime guiado pela dívida como vem acontecendo atualmente. O sistema capitalista mundial está indo rumo à possibilidade de combinação de colapso financeiro com imensa recessão, se não algo pior como a depressão que certamente mudará o mundo. Tudo leva a crer que, antes de seu colapso, o sistema capitalista mundial será arruinado pela depressão econômica durante muitos anos gerando em sua escalada a falência de muitas empresas, a inviabilização econômica dos extremamente endividados Estados nacionais e o desemprego em massa em escala planetária.

Para evitar a eclosão de uma nova crise mundial, urge a implantação de um sistema monetário internacional estável, não subordinado ao capital financeiro. As condições para isso incluem o cancelamento de boa parte da dívida soberana, considerada ilegítima, assim como de boa parte da dívida doméstica, a adoção de uma taxação correta para a renda das finanças e do capital, o restabelecimento de um verdadeiro controle público do sistema de crédito, um controle restrito dos fluxos de capital e uma luta efetiva contra os paraísos fiscais. Isto significa dizer que os governos deveriam deixar de se subordinar aos ditames do capital financeiro e suspender o pagamento de suas dívidas mesmo que levem alguns bancos à bancarrota cujos recursos que lhes seriam destinados sejam aplicados em investimentos públicos para a retomada do crescimento econômico.

Diante da existência do caos que já domina a economia mundial que tende a se agravar, é chegada a hora de cada país e a humanidade se dotarem o mais urgentemente possível de instrumentos necessários a terem o controle de seu destino, haja vista o sistema capitalista mundial ser um excelente exemplo de entropia porque apresenta rendimentos decrescentes e tende ao colapso como sistema econômico. Até atingir o colapso, o sistema capitalista mundial produzirá durante este período mortes e destruição em uma escala sem precedentes na história da humanidade em todos os quadrantes da Terra. A barbárie caracterizada pelas revoltas e revoluções sociais em cada país e pelos conflitos internacionais será a principal marca do sistema capitalista mundial até o final de sua trajetória. Para ter o controle de seu destino a humanidade precisa substituir o sistema capitalista mundial por uma nova ordem econômica que seja capaz de exercer a governabilidade da economia e assegurar a paz mundial. Este é o único meio de sobrevivência da espécie humana.

*Fernando Alcoforado, 79, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil(Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo(Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017) e Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Bahiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria).

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