Davi contra Golias

Artigo publicado na Tribuna da Bahia em 13/06/2019

Aos queridos sobrinhos Ana Paula e Jai!

Antes mesmo de ouvir o que tinham a dizer o promotor Deltan Dallagnol e o Ministro Sérgio Moro a respeito do vazamento ilegal da conversa que tiveram, ao tempo em que o atual Ministro era o juiz da Vara Federal em Curitiba, responsável pelos julgamentos dos crimes da Operação Lava Jato, subiu muito significativamente o bom julgamento que se fazia sobre o excelente trabalho de ambos. De cara, de pronto e de logo, demonstraram, particularmente o destemido e admirado juiz Sérgio Moro, que neles não cabe o anátema de Dante, na Divina Comédia, segundo o qual ”Os lugares mais quentes do inferno estão reservados para aqueles que em momentos de grande crise moral, preferem assumir uma posição de neutralidade”.

Dedicados a denunciar, combater e punir, do modo corajoso como o fizeram, os que organizaram a maior quadrilha para assaltar um país, que se conhece na história do Mundo, Moro e Dallagnol se alçaram muito alto no conceito da sociedade contemporânea, dentro e fora do Brasil, tendo em vista, sobretudo, o gigantismo da estrutura criminosa que defrontam, caracterizando uma versão moderna da desigualdade bíblica de forças entre o colosso filisteu Golias, de três metros de altura, e o jovem e pacífico pastor de ovelhas, o judeu Davi. Golias confiava em seu tamanho, sua força descomunal e experiência guerreira, apoiado, ainda, por um formidável exército; Davi depositava suas esperanças no valor moral de sua causa e em sua fé em Deus.

Os Davis da boa causa da decência brasileira, da qual tanto dependemos para continuar aspirando ideais de paz e prosperidade, têm como única aliada a majoritária opinião pública nacional, permanentemente acossada por ponderáveis parcelas de uma mídia viciada, por membros de tribunais superiores comprometidos com o crime e por um Congresso sensivelmente prostituído. Os que se escandalizam com conversas de conteúdo rotineiro entre juízes e as partes são da mesma natureza dos que se insurgiram contra a instalação do Tribunal de Nuremberg, após a Segunda Guerra, amparados no argumento de que a impunidade dos criminosos de guerra estava assegurada pela inexistência de lei que tipificasse e cominasse pena ao genocídio. Esses mesmos padecentes do distúrbio conhecido como dissonância cognitiva, que os impede de ver que Lula chefiou a mais criminosa quadrilha de que se tem conhecimento na História, comparecem às ruas para vociferar o “Lula livre”, como mecanismo para pôr fim à Operação Lava Jato.

Mais uma vez, o tiro saiu pela culatra! Aturdida, num primeiro instante, pelo que seria a denúncia do fim do mundo, a opinião pública, aí incluída a patuléia ignara, em relativamente pouco tempo, depois de ouvir à saciedade a repetição dos diálogos “condenáveis”, recobrou sua higidez intelectiva e concluiu, tempestivamente, que só um juiz calhorda ou patologicamente burocrático pode manter-se equidistante quando o crime campeia, ostensivamente, contra a honra, a justiça, a miséria e a caridade, lassidão moral que Anatole France vergastou ao denunciar os que obedecem a uma isonomia “que pune o pobre por dormir num banco da praça pública, pedir esmolas ou furtar um pão”.

Para as pessoas inteligentes, o Ministro Luís Roberto Barroso defendeu a legitimidade dos diálogos entre o Procurador e o Juiz, ao sustentar, entre outros motivos, que ninguém pode desconhecer a pilhagem de dimensões inéditas e sesquipedais que desembocou na Lava Jato.

No fundo, o que quer a hipocrisia militante, a serviço da impunidade de crimes que têm o mesmo potencial lesivo do genocídio, é equiparar o juiz a uma máquina destituída de sensibilidade, obrigado a tratar igualmente a desiguais, em conflito com o necessário caráter dialético da desigualdade, como preconizado por Aristóteles e Rui Barbosa. Nessa visão grotesca, esposada por conveniências ilegítimas, o juiz deveria agir como o padre do clássico filme A tortura do silêncio, de Alfred Hitchcock, que, acusado de um homicídio que não praticara, sente-se impedido de apontar o verdadeiro culpado que lhe confessara o crime.

De um modo geral, as entidades se manifestaram adequadamente sobre como tratar a questão, de momentosidade construída de má-fé, com a exceção da OAB nacional, cuja direção milita, despudoradamente, para abortar a Operação Lava Jato, descomprometida com o seu dever de agir com isenção, liberta dos compromissos de advogada dos que assaltaram o País. Como estamos mal representados, nós os advogados!

A marcha batida contra o crime organizado para sangrar o Erário não tem volta. Os que lutam para acabar com a Lava Jato flertam com o risco de uma ruptura institucional. Depois não venham chorar sobre o leite derramado.

Joaci Góes – Escritor e presidente da Academia de Letras da Bahia

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