Há muitas crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), porém, com o aumento da conscientização e da compreensão do autismo, o diagnóstico em adultos têm crescido. O TEA é conhecido como transtorno do espectro exatamente pela variação no tipo e intensidade dos sintomas.
“Independente da idade, há uma grande variabilidade entre as pessoas com TEA. Apesar de terem em comum o fato de apresentarem limitações de interação e comunicação social, interesses restritos ou comportamentos repetitivos, não existe um caso igual ao outro. Cada indivíduo é único. De uma maneira geral, existem pessoas com TEA extremamente inteligentes, assim como pessoas com deficiência intelectual. Existem diferentes níveis de comprometimento. A maioria desses indivíduos conseguem se comunicar de maneira verbal, mas sabemos que parte não fala ou não usa a linguagem verbal para se comunicar adequadamente, repetindo palavras fora de contexto. É importante destacar que o TEA irá acompanhar o indivíduo durante toda a sua vida, no entanto, suas manifestações clínicas podem mudar especialmente se houver uma intervenção precoce”, explica a neurologista da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e médica do ambulatório de Transtornos de Aprendizagem e Transtorno do Espectro Autista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, Beatriz Borba Casella.
Muitas pessoas com autismo não foram diagnosticadas na infância, seja porque os critérios diagnósticos eram diferentes ou porque o autismo não era bem compreendido na época e as informações sobre TEA não eram tão divulgadas como atualmente. Além disso, muitos adultos podem ter aprendido a mascarar seus sintomas, o que pode tornar mais difícil o diagnóstico. “No adulto, o hiperfoco pode ter relação com o seu trabalho, podendo, se bem explorado, até mesmo uma vantagem profissional. Quanto à interação social, ambos podem ter dificuldades para criar vínculos, fazer e manter amizades, porém ao longo da vida, o indivíduo pode ter criado estratégias ao aprender a mimetizar o comportamento dos outros, às custas de grande esforço. Para o adulto com TEA situações sociais como festas ou grandes reuniões podem causar grande estresse. É comum que o indivíduo se sinta exausto após esses eventos que para outras pessoas seria um momento de distração ou relaxamento. As questões sensoriais como o incômodo com sons altos, determinadas texturas ou odores podem persistir por toda a vida, porém o adulto pode também ter criado estratégias para lidar com essas dificuldades. É mais comum que o adulto com TEA desenvolva, após anos de uma série de dificuldades nos relacionamentos pessoais e no trabalho e problemas de autoestima, outros transtornos neuropsiquiátricos como ansiedade ou depressão”, completa a médica.
Embora o diagnóstico precoce seja importante para que as crianças com autismo recebam intervenções apropriadas logo na infância, o diagnóstico tardio também é crucial e pode ajudar na compreensão melhor da identidade. Para alguns, o diagnóstico pode ser um alívio mesmo que traga novos desafios, como a necessidade de mudanças na vida e no trabalho, a compreensão e aceitação podem ajudar os adultos a viverem de forma mais satisfatória.
“O diagnóstico promove em muitos casos, uma maior autoaceitação, reduz a sensação de culpa e de inadequação. Encontrar uma causa, contextualizar suas dificuldades pode amenizar muito o sofrimento daquela pessoa. Pode gerar uma sensação de pertencimento a uma pessoa que sempre teve dificuldade de se encaixar. Pode permitir que o indivíduo busque comunidades autistas online onde há a possibilidade de trocar experiências com outras pessoas que passaram ao longo da vida por dificuldades semelhantes. Além disso, o diagnóstico possibilita a procura por serviços de saúde e assistência social. Permite ainda que esses indivíduos busquem intervenção terapêutica, nas quais podem ser trabalhadas as habilidades de relacionamento, autorregulação comportamental. Nunca é tarde demais para o autoconhecimento e para o tratamento”, ressalta a neurologista da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, Beatriz Borba Casella.
A artista Patricia Ilus recebeu o diagnóstico aos 41 anos e garante que o diagnóstico proporcionou clareza. “Ter o diagnóstico não é o fim do sofrimento. É o começo de uma outra jornada, com caminhos mais claros e com um prognóstico de bem viver maior. Todas as pessoas merecem a chance de se sentirem parte da sociedade, bem quistas e confortáveis e o diagnóstico traz essa possibilidade”.
“Parece que tive muitas vidas, tantas foram as tentativas e recomeços tanto do ponto de vista afetivo quanto profissional. No entanto, um dado momento me sentia exausta, perdida nas minhas múltiplas tentativas e “personalidades”, sem condições de continuar. Então procurei ajuda e enfim veio meu diagnóstico. De uma pessoa que encarava a vida como um grande fracasso, passei a ser mais gentil comigo mesmo. Busquei terapia para ansiedade e depressão que já se anunciava. Comecei a buscar a mim mesma no meio de todo esse nó que se tornou minha vida. As tentativas de se libertar não foram tão bem recebidas como eu pensava. Os pedidos de ajuda não foram ouvidos com tanta rapidez, mas o tempo deu conta de ir colocando as coisas no lugar. A vida ainda é desafiadora, mas encontrei um caminho para seguir e estou tendo mais suporte e ajuda agora. Então o diagnóstico fez toda a diferença na minha vida”, conclui.
O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista em Adultos, assim como em crianças é clínico, sendo necessária a avaliação médica e em muitos casos, também de uma equipe multidisciplinar.
Esse diagnóstico é feito por meio dos critérios estabelecidos pelo DSM-5, que é o manual diagnóstico dos transtornos mentais. Por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento, com sinais de início na infância, o ideal é que seja feita uma entrevista não só com o paciente, mas também com familiares. Além disso, há também algumas ferramentas como a escala ADOS-2 e a ADI-R que podem auxiliar no diagnóstico.
Atualmente Patricia Ilus é uma das administradoras da plataforma “Adultos no Espectro”, idealizada pelo neurologista Mayck Hartwig, que oferece soluções para autistas. “Senti a necessidade de ajudar outros autistas. Sou facilitadora de grupos de apoio, colaboro nos cursos e simpósios. Encontrei na ação uma motivação para melhorar minha autoestima e assim, ajudar a outros autistas nesse sentido” completa.
Beatriz Lucas
Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil – SBNI