As guerras nascem no espírito do homem, afirma o preâmbulo do ato constitutivo da UNESCO. Esta concepção põe em relevância a necessidade de se desenvolver uma ecologia interior ou pessoal para se alcançar a vivência da paz no mundo. Também subtende a indissociabilidade entre a dimensão psíquica e a social, o sujeito e o ambiente.
Um dos passos essenciais para a construção da ecologia interior é a dissolução dos conflitos intrapsíquicos. Para tanto, torna-se necessário compreender a si mesmo nas múltiplas facetas existenciais, identificar nossa fragmentação interior que se traduz em comportamentos contraditórios e desarmonias psicoenergéticas e laborar com proficiência para nos constituirmos como seres íntegros e congruentes. Neste estágio, haverá identidade entre o sentir, o pensar e o agir. Assim, estabeleceremos o equilíbrio entre o superconsciente e o subconsciente, o coração e a razão, as aspirações e os instintos.
Uma outra conduta importante é a elevação do nosso estágio de consciência. O estado egocêntrico que predomina em nosso viver torna-nos crentes de que somos os senhores da verdade, detentores da sabedoria e merecedores de primazia, em matéria de direitos e vantagens.
Isto nos leva a adotar uma postura de luta, vendo os outros, principalmente quando discordam, como ameaças a nossa realização e quiçá, sobrevivência, e que devem ser combatidos, pois representam o mal, a mentira, o diabólico.
Projetamos no mundo, o nosso lado sombrio, para nós inconsciente, com claras repercussões nas relações interpessoais. O trabalho de percepção do grau evolutivo da consciência e, conseqüentemente, o seu aprimoramento, é fundamental para alcançarmos no psiquismo o estágio globocêntrico, multicultural e integrativo.
Assim, nos desvencilharemos do consumo de energia psíquica em mecanismos de defesa e utilizaremos esta sobra na constituição de sinergias, de pontes entre os diferentes.
As variadas percepções do mundo não nos parecerão ameaçadoras, pois poderemos apreendê-las como momentos evolutivos da expressão da consciência.
O outro, seja qual for, não será visto com antagonismo e não será adversário ou inimigo.
Como resultado, no âmbito do conhecimento, constituiremos uma visão não fragmentária do saber.
A separatividade entre ciência, arte, filosofia e tradição espiritual bastante acentuada por uma cultura centrada na razão, que tornou hegemônica a ciência, é fonte constante de tensões, tanto intrapessoais como interpessoais, comunitárias e internacionais.
Minimizaremos esse mal da civilização, quando realizarmos a reintegração do ser em nossa produção do saber, constituindo uma gnose que integre nossas funções psíquicas: sentimento, sensação, intuição e razão, aliadas à vontade e imaginação.
A percepção da indissociabilidade entre ser e mundo nos leva a entender que não se pode pensar a paz como um projeto solitário, isolacionista, ou uma ascese personalíssima. O próprio desenvolvimento da consciência nos conduz à percepção do nosso vínculo genético com a sociedade e a natureza. Ao nos constituirmos como indivíduos, não eliminamos a nossa condição natural e social. Pelo contrário, tornamo-nos representantes da teia da vida em suas múltiplas dimensões, e como tal, responsáveis pelo seu sucesso através de um equilíbrio dinâmico.
Para expressarmos nossa paz na dimensão social, podemos realizar alguns exercícios propostos pelo movimento simplicidade voluntária. Eles nos levam a organizar a vida para fins significativos, atuar com menos consumismo e assegurar abundância de vida e conforto essencial para o maior número de pessoas.
Podemos aderir a ações de economia solidária, de justiça econômica distributiva e responsabilidade social.
Na política, podemos adotar os princípios da “ahimsa”, conhecida como não-violência, que é a ausência de má intenção e boa vontade para com todos, compaixão nas relações interpessoais.
Na dimensão ecológica, podemos desenvolver atitudes de reverência pela vida e de preservação dos ecossistemas.
Quando nos sentirmos seguros na cultura da paz, poderemos estendê-la à educação, a partir de práticas pedagógicas cooperativas, à saúde pela promoção da paz nos serviços específicos e comunidades atendidas, à religião pela descoberta dos pontos convergentes entre as tradições espirituais e à política pela difusão de valores suprapartidários .
Superar o estado de luta pela vivência da paz é nosso grande desafio atual. Por mais que avancemos em conquistas tecnológicas e construamos infinitas possibilidades de facilitação da vida, se não nos distanciarmos do espírito guerreiro, atavismo decorrente da vida selvagem, seremos apenas sofisticados animais em litígios permanentes e mais complexos, condenados pelo medo do outro, incapazes de viver a plenitude do ser, que decorre do estado pleno de paz.
André Luiz Peixinho – Fundador da Sociedade Hólon