Pesquisadores brasileiros na COP27, a Conferência do Clima das Nações Unidas, avaliaram o potencial da bioeconomia para a Amazônia no painel Da ciência à ação: Bioeconomia como alternativa para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, realizado no espaço do Brazil Climate Action Hub na conferência do clima nesta terça-feira (15). “A bioeconomia para a Amazônia precisa ser transformadora”, disse Patrícia Pinho, diretora-adjunta de pesquisa no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Pinho é coautora de um estudo que elenca princípios orientadores para uma bioeconomia da Amazônia, em consideração às complexidades territoriais, culturas e aos conhecimentos ancestrais da região. São eles: desmatamento zero; diversificação dos métodos de produção em resposta ao sistema de monocultura; fortalecimento de práticas milenares amazônidas; e repartição justa dos benefícios.
A abordagem proposta para o conceito de bioeconomia aplicado às realidades da Amazônia brasileira é a conservação ambiental em harmonia com o desenvolvimento do potencial econômico da sociobiodiversidade da floresta, produzindo renda para quem nela vive, sem reproduzir lógicas excludentes de marginalização e de empobrecimento da população na concepção, implementação e execução de projetos. O foco está no protagonismo da pluralidade de vozes amazônidas.
“Se a gente não tiver todos esses pilares, não seremos capazes de evitar o ponto de não retorno na Amazônia. Devemos transcender a visão sobre a Amazônia como provedora global da estabilidade climática e de commodities. Há um potencial enorme para ser desenvolvido. Só o estado do Pará pode produzir mais de 5 bilhões de dólares em recursos financeiros associados à bioeconomia. É necessário endereçar as múltiplas desigualdades como a gente tem, de alta pobreza, desigualdade étnica, racial, de gênero, mantendo, assim, a floresta de pé e assegurando os direitos da população”, explicou Pinho.
O ponto de não retorno, ou ponto de inflexão da Amazônia, será alcançado se o bioma perder 25% da vegetação florestal. A partir daí, as consequências serão irreversíveis e caminham para um estado de degradação com perda de interações entre fauna e flora, de provisão de alimentos e plantas medicinais para humanos, e de serviços ecossistêmicos prestados pela floresta como equilíbrio dos ciclos da água e do carbono, por exemplo. Até 2021, cerca de 17% da Amazônia já havia sido desmatado, segundo o MapBiomas.
Com o tema “Implementação e responsabilidade”, a programação desta terça-feira no Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil brasileira na COP27, discute meios para colocar em prática soluções climáticas com responsabilidade socioambiental.
“É central que os benefícios econômicos e não econômicos sejam compartilhados com a população indígena e tradicional, e que essas pessoas sejam novamente protagonistas desse desenvolvimento. Nesse sentido, a governança tem um papel crítico para alavancar a proteção de povos e a repartição de benefícios de forma igualitária, para promovermos genuinamente um desenvolvimento que seja sustentável, uma proteção socioecológica e uma resiliência climática”, complementou a diretora-adjunta de pesquisa.
O pesquisador Carlos Nobre também participou do painel, além de Angela Mendes, representando o CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) e o Comitê Chico Mendes; Denise Hills, diretora global de Sustentabilidade da Natura; Peter Houlihan, da XPrize Rainforest; Rafaela Monteiro, gerente executiva de Sustentabilidade da Petrobras; e Renata Potenza, especialista em Clima e Emissões do Imaflora. A discussão foi moderada por Carolina Genin, diretora de Clima no WRI ((World Resources Institute).
“É muito conflito por terra e muita destruição da floresta nessa disputa econômica. Como encontrar uma economia mais sustentável para a Amazônia? Uma bioeconomia da floresta em pé e dos rios fluindo começa a partir do encontro do conhecimento dos territórios com inovação e tecnologia, é a base para a transição justa na Amazônia. Isso permite a gente desenvolver o país com uma economia inclusiva e trazer toda a diversidade cultural para dentro da economia”, disse Genin.
Proteção de territórios
As produções de castanha, cacau, açaí e borracha foram algumas das destacadas por Angela Mendes sobre o trabalho feito em reservas extrativistas na Amazônia brasileira. Filha do ambientalista e seringueiro Chico Mendes, ela destacou a importância da proteção dos territórios nos quais as populações indígenas, tradicionais e extrativistas trabalham.
“Para falar de sociobioeconomia tem que falar de cuidado com o território. Território que, inclusive, foi a causa do assassinato do meu pai, as reservas extrativistas. Hoje, são cerca de 80 no Brasil, que deveriam ser protegidas pelo governo federal, mas, nos últimos anos, foram violentadas e atacadas. O desmatamento vem batendo recorde. Então precisamos falar da garantia dos territórios, para garantir também as pessoas nesses territórios, que são tão fundamentais para o combate à crise climática que a gente vive”, afirmou.
Terras públicas como reservas extrativistas, unidades de conservação e territórios indígenas têm mais da metade (51%) do desmatamento ocorrido entre 2018 e 2021. Somente em 2021, a área desmatada na Amazônia Legal teve o maior aumento desde 2006: foram 13.038 km² de floresta derrubados.
O desmatamento é a maior fonte de emissões de gases do efeito estufa no Brasil: causam o superaquecimento global e acarretam no cenário de emergência climática atual. Só a Amazônia concentra 77% das emissões brasileiras por conta do desmatamento e do fogo associado a essa atividade. Florestas e outros tipos de vegetação guardam grandes estoques de carbono, um dos gases do efeito superaquecedor. Com o desmatamento de vegetações nativas e a degradação da área no entorno de queimadas associadas ao desmate, todo o carbono acumulado nas raízes e na estrutura das árvores e plantas retorna para a atmosfera. Por isso, é importante mantê-las vivas, tanto para a sobrevivência da sociobiodiversidade, quanto para o equilíbrio climático do planeta.
“A gente sabe que por mais que a gente tenha acabado de eleger um presidente de esquerda, que tem compromisso com essas populações e seus territórios, ainda assim, todos os dias aparecem projetos de lei que permitem mineração e liberam desmatamento. Os desafios serão muito grandes, mas sabemos que nossa fortaleza está nos conhecimentos tradicionais”, acrescentou Mendes.
Tecnologia como aliada
O cientista Carlos Nobre apresentou a proposta de construir “um MIT para a Amazônia” de forma a alavancar o desenvolvimento da região por meio da tecnologia. O MIT (Massachusetts Institute of Technology, ou Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos), é referência mundial como centro de pesquisas.
A ideia é que o Instituto de Tecnologia da Amazônia tenha caráter panamazônico, em diálogo com os demais países pelos quais o bioma se estende, como Bolívia, Colômbia e Equador. Com cinco grandes áreas de pesquisa – água, sociobiodiversidade e florestas, infraestrutura sustentável, paisagens degradadas e Amazônia urbana – o objetivo é que populações indígenas e comunidades tradicionais se beneficiem da iniciativa.
“Já conversamos com vários países. É um sonho, mas vamos realizar. Vamos torcer para um apoio enorme de todos os governos da Amazônia que queiram participar. É uma proposta descentralizada, a ser criada via parceria público-privada”, disse o pesquisador, que é fundador do Amazônia 4.0, projeto que prevê a utilização de tecnologia para o desenvolvimento na região amazônica com fortalecimento de populações tradicionais.
Nobre relatou que já está em curso a abertura de laboratórios criativos na Amazônia, que funcionam como “pequenas biofábricas” para populações rurais e urbanas trabalharem com os produtos da floresta como o cupuaçu e o cacau.
“O desafio do Amazônia 4.0 é trazer para a Amazônia o potencial de agregar valor para produtos da bioeconomia da floresta em pé e agregar valor por meio da industrialização. Com a promessa do governo Lula reindustrializar o país, que vem se desindustrializando há 25 anos, vamos lançar grandes projetos dessa natureza para levar a possibilidade de transformar a Amazônia”, anunciou.
Como sintetizou Houlihan, investir na bioeconomia da Amazônia é “investir no futuro do nosso planeta”.
A programação do Brazil Climate Action Hub na COP27 pode ser consultada no site do espaço, que fica na Zona Azul da conferência do clima. Todos os eventos são transmitidos ao vivo com tradução simultânea português-inglês e inglês-português. A gravação do painel está disponível para assistir aqui.
O IPAM organiza o Brazil Climate Action Hub junto ao iCS (Instituto Clima e Sociedade) e ao Instituto ClimaInfo.
Fonte: EcoDebate