Coluna

A solução suíça para irrigar terras semiáridas que desafia a gravidade

Somente graças aos corrimões e às redes de segurança montadas fomos capazes de percorrer a trilha de 6 km de extensão — conhecida como Torrent Neuf.

Os agricultores e vinicultores do século 15 do Vale do Rhône que ousaram construir estes canais de irrigação suspensos não tinham nada além de uma pá, picareta e cordas gastas.

Foi um trabalho perigoso que custou vidas — mas salvou uma pequena região da Suíça da quase seca.

A Suíça pode ser chamada de “caixa d’água da Europa”, mas uma região no sudoeste do país, Valais, sofreu historicamente com uma aridez exacerbada pelo foehn, um vento notoriamente quente e seco encontrado aqui.

Apesar de ser cercada por algumas das montanhas mais úmidas do país, a região chamuscada pelo sol e esculpida por geleiras recebe apenas 500 mm de chuva por ano, apresentando um desafio de engenharia único para a irrigação.

Canais de irrigação que desafiam a gravidade, conhecidos como bisses, foram projetados para desviar a água do degelo glacial de riachos de montanha para pastagens e vinhedos em altitudes mais baixas.

Até hoje, 200 deles, totalizando 1,8 mil km de extensão, fornecem água para 80% da área irrigada do Valais.

Medindo entre 0,5 m e 2 m de largura, o mais primitivo dos bisses do Valais foi talhado na rocha. Outros, como o Bisse des Sarrasins, de 500 anos, no distrito de Sierre, no centro de Valais, foram escavados em troncos de árvores.

Localizados a 1,2 mil m acima da margem leste do rio Morge em Savièse (uma sub-região de Valais Central), os canais suspensos de Torrent Neuf, do século 15, foram construídos especificamente para capturar o leite glacial antes que caísse em um desfiladeiro.

Usando lariços derrubados da Foret du Ban du Torrent, os trabalhadores criaram uma série de conduítes de madeira de três lados que poderiam proteger contra avalanches e quedas de pedras.

Em uma verdadeira apresentação de corda bamba, os homens se penduravam nas pontas das cordas, ancorando esses canais suspensos aos penhascos de calcário, com uma fileira dupla de vigas de madeira chamadas boutzets.

Depois de regar o planalto sedento de Savièse por cinco séculos, os canais suspensos de Torrent Neuf foram aposentados em 1935.

Responsável por encabeçar a idade de ouro dos bisses em 1400 graças ao seu sucesso na irrigação de terras improdutivas, o canal do Torrent Neuf foi restaurado em 2013 como parte do patrimônio cultural.

Os detritos da escavação reforçaram as margens externas do canal, como no segmento florestal rio abaixo de Torrent Neuf, conhecido como Bisse de Ste Marguerite, alimentado pela geleira Tsanfleuron. Moradores de Savièse, como Lydwine Bruchez, continuam a obter água dele.

A ação — baseada em uma prática antiga conhecida como “zetti” — desvia a água temporariamente para inundar as terras dos agricultores pelo escoamento.

Minutos antes, Bruchez havia levantado a comporta de um pequeno bisse localizado a apenas 100 metros de distância para criar o canal de água artificial.

Normalmente, os únicos portadores das chaves dessas pequenas comportas manuais são os guardas do canal, como Philippe Emery, cujas responsabilidades incluem a manutenção e limpeza do bisse, além de coordenara distribuição de sua água.

Documentado pela primeira vez em 1640, o Bisse Vieux de 1,6 mil m de altura é o único que transporta água durante todo o ano, proveniente da geleira Grand Désert dos Alpes Peninos.

No meio do caminho ao longo de seu curso de 7 km, a água desce em cascata por uma série de calhas de metal escalonadas, que mergulham 5 m para percorrer um cume rochoso.

Em um trecho mais plano, Bornet aponta para os restos de uma enorme pedra na margem do bisse, fragmentada por dinamite.

Atravessando várias bacias hidrográficas, bisses mais longos como o da vila de Saxon — de 26 quilômetros — eram um alvo fácil para os ladrões de água no século 14.

A solução? Um martelo de alerta movido a água, erguido por uma roda de pás a cada curva, que funciona ainda hoje.

Os guardas passavam a noite em cabines de madeira ao lado deles, prontos para dar o bote se o martelo silenciasse, o que também poderia indicar um bloqueio no bisse rio acima.

Embora muitos suíços fora do Valais não tenham ouvido falar dos bisses, a nota de 100 francos suíços é adornada com a ilustração de um dos mais espetaculares: o Bisse d’Ayent.

Construído em 1442, sua passagem de canais suspensos adjacentes a um cume rochoso de 1,8 mil m são um feito da engenharia que rendeu a ele o apelido de “Rei dos Bisses”.

 

Fonte: Coluna  BBC Travel

 

 

 

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Joice Mara Araujo

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