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A RECENTE CRISE HÍDRICA NA CHAPADA DIAMANTINA: CRISE DE ÁGUA OU CRISE DE GESTÃO?

A RECENTE CRISE HÍDRICA NA CHAPADA DIAMANTINA: CRISE DE ÁGUA OU CRISE DE GESTÃO?

Antonio Mario Reis de Azevedo Coutinho (*)

A Chapada Diamantina, região conhecida mundialmente por suas belezas naturais, sede do Parque Nacional da Chapada, atravessou entre os anos de 2017 e 2019 uma séria crise hídrica, que se caracterizou pela escassez de água para abastecimento humano em vários municípios. Neste período vários rios secaram, causando um verdadeiro caos na região.

O Governo do Estado da Bahia, através do Decreto no. 17.938, de 13 de setembro de 2017, reconheceu a situação de emergência de vários municípios, expondo como causas: o exaurimento de grande parte dos mananciais que fornecem água potável às comunidades rurais, distritos e cidades; a falta de abastecimento de água nos Municípios e a estiagem prolongada que provocava danos ambientais.

Com as chuvas abundantes que ocorreram entre 2020 e 2021, enchendo rios, açudes e barragens da região, estas questões foram momentaneamente esquecidas, porém os problemas básicos persistiram, e já retornam à tona.

Segundo matéria publicada pelo jornal Correio da Bahia de 15/10/2021:, “o baixo nível do Rio Paraguaçu, já ameaça o abastecimento em 86 municípios baianos. (…) Trechos do Rio Paraguaçu e seus afluentes, principalmente na altura do Alto Paraguaçu, estão secos, isso por conta da falta de chuvas, do uso desregulado da água e da deficiência na gestão de recursos hídricos. (…) Para evitar a falta de água nos 86 municípios baianos alimentados pelo Paraguaçu, o INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) decidiu limitar em 50% o uso da água do rio” (CORREIO DA BAHIA,2021).

Esta crise hídrica recorrente traz à tona a necessidade de discutir-se urgentemente questões como, o colapso dos rios; a degradação das bacias hidrográficas, o crescimento rápido e desordenado da irrigação; os conflitos pelo uso da água; o desperdício de água na agricultura; a falta de saneamento básico nos municípios e a poluição de mananciais. (*) Engenheiro Agrônomo, Mestre em Geoquímica e Meio Ambiente (UFBA); Especialista em Engenharia de Irrigação (UFBA), Advogado especializado em Direito Ambiental.

O COLAPSO DOS RIOS

Vários rios da Chapada Diamantina estão entrando em colapso, sendo que a capacidade de suporte de alguns destes mananciais encontra-se no limite e em alguns casos já foi ultrapassada, indicando a necessidade urgente de mudanças no gerenciamento do uso dos recursos hídricos da região.

Segundo dados do movimento SOS Águas da Chapada Diamantina, “mais de 10 (dez) rios da região, a exemplo do Rio Cochó e do Rio Utinga já secaram, ou estão seriamente comprometidos por falta de gestão e priorização no uso adequado dos recursos hídricos. O Rio Paraguaçu hoje não tem mais capacidade de abastecer comunidades como Mucugê, sequer para consumo humano”. (SOS CHAPADA, 2018).

O Rio Santo Antonio, no trecho entre os municípios de Andaraí, Lençóis e Palmeiras, já sofre sérios impactos ambientais negativos devido à implantação de centenas de hectares irrigados por pivôs centrais.

Nos municípios de Rio de Contas, Livramento e Dom Basílio há muitos anos já existem sérios conflitos pelo uso da água, devido ao crescimento desordenado da irrigação pública e privada

 

O IMPACTO AMBIENTAL NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS

É inegável que o impacto ambiental negativo que as bacias hidrográficas vêm sofrendo na Chapada Diamantina, o que tem diminuído enormemente a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos regionais, resultando em escassez de água para os vários usos.

Entre as principais causas deste problema estão a destruição de nascentes, grandes desmatamentos nas áreas das bacias, prejudicando a recarga de aquíferos, destruição de vegetação ciliar, exploração excessiva de recursos hídricos para irrigação, falta de saneamento básico em várias cidades, poluição de mananciais por esgotos domésticos e industriais, poluição por agrotóxicos utilizados na agricultura, aumento da demanda de água para consumo humano nas zonas urbanas devido ao crescimento populacional.

A Chapada Diamantina é uma região vulnerável, localizada no semi-árido baiano, sujeita a secas periódicas, onde a alimentação dos mananciais são dependentes em grande parte da água da chuva. A região apresenta altas taxas de evaporação, rendimentos hidrológicos baixos, podendo-se considerar que a precipitação é a fonte principal de origem dos deflúvios.

Isto é confirmado por GONÇALVES (2014), em tese de doutorado sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, quando diz:

“a zona das nascentes nesta bacia é dependente das precipitações para manter um fluxo contínuo destes aquíferos para as calhas dos rios possuindo grande influência na regulação da vazão, uma vez que a maioria das nascentes seca no período de estiagem (inverno seco)” (grifo nosso).

Logo, trata-se de uma região vulnerável do ponto de vista hídrico e ambiental, que apresenta características naturais específicas, que precisam ser consideradas nas decisões governamentais sobre políticas públicas para essa região, sendo que uma das principais causas de toda esta problemática é a falta de uma política efetiva de gerenciamento de recursos hídricos.

Toda esta situação de crise foi muito bem retratada na “Carta Aberta à sociedade baiana e a todo o povo brasileiro”, documento emitido no encontro do movimento SOS Águas da Chapada Diamantina, realizado no mês de setembro de 2018, em Seabra, Bahia, no qual, mais de 50 entidades e comunidades que atuam na Chapada Diamantina, além de professores, especialistas, mestres e doutores das áreas de biologia, geologia, hidrologia, engenheiros agrônomos, ambientais e florestais, estudantes, jornalistas e universidades chegaram às seguintes conclusões:

“(…) Estamos alarmados com a situação das águas do Rio Paraguaçu e seus afluentes. (…) Em debate, identificamos que a Chapada Diamantina, considerada a “caixa d’água da Bahia” e um dos patrimônios ambientais mais relevantes do planeta, está rachada e em processo de desertificação. Mas nenhuma atitude de prevenção ao problema foi tomada. Ao contrário. A gestão dos recursos hídricos na Bacia do Paraguaçu tem se revelado desastrosa”.

Sendo assim, torna-se bastante preocupante a atual situação do uso dos recursos hídricos na Chapada Diamantina. O crescimento desordenado da agricultura irrigada tem sido um dos principais fatores para a geração de conflitos, principalmente devido à disputa entre irrigação e abastecimento humano, com o uso excessivo de recursos hídricos para irrigação e a consequente diminuição do volume disponível para o abastecimento humano.

Na realidade toda esta situação vêm sendo gerada no decorrer de vários anos, com a implantação de um modelo de crescimento econômico insustentável e incompatível com a vocação da Chapada Diamantina, baseado na exploração desenfreada dos recursos naturais, principalmente dos recursos hídricos, o que causou o surgimento de inúmeros conflitos pelo uso da água.

Por todo o exposto é possível vislumbrar-se que estamos diante de uma grave crise hídrica, na realidade uma crise de gestão, que poderá se tornar irreversível, caso não sejam tomadas providências urgentes com relação à gestão de recursos hídricos na região.

Apesar da ocorrência de secas periódicas, característica comum às regiões semiáridas, o principal motivo desta crise hídrica instalada na Chapada Diamantina é o impacto ambiental negativo que vem sofrendo as bacias hidrográficas da região, contribuindo para a diminuição da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos disponíveis.

Essa situação crítica traz à tona a discussão de questões importantes que precisam ser assumidas e enfrentadas urgentemente pelo Poder Público e pela sociedade, entre as quais estão: o crescimento desordenado da irrigação em vários municípios da região, o desperdício de água na agricultura, a utilização de métodos de irrigação de baixíssima eficiência, a falta de saneamento básico nas cidades e consequentemente a poluição de mananciais.

Sobre o tema é esclarecedor o posicionamento de uma das maiores autoridades em recursos hídricos do Brasil, o professor Dr. ALDO DA CUNHA REBOUÇAS, quando disserta em artigo de sua autoria:

“a crise da água no Brasil, especialmente na região Nordeste, resulta da intervenção altamente predatória neste espaço, levando ao efeito perverso de aplicar, a um fenômeno marcadamente estrutural, políticas seladas pela visão conjuntural que induzem ao cultivo do problema. Os problemas resultam basicamente da falta de gerenciamento efetivo das ações desenvolvimentistas em geral e da água em particular. Estimulam-se áreas nas quais já se tem escassez de água para abastecimento. Ademais, a qualidade da água dos mananciais é degradada pelo lançamento de esgotos não tratados, uso e ocupação inadequada do meio físico e outros fatores impactantes (REBOUÇAS,1997).

 

A CRISE HÍDRICA

A crise hídrica que se instalou na Chapada Diamantina demonstra claramente, que apesar da longas estiagens que assolam a região, o problema não se deve apenas ao fenômeno natural da seca, mas principalmente a uma deficiente política de gestão dos recursos hídricos que vem sendo exercitada na região, sendo que a capacidade de suporte dos mananciais está sendo levada ao limite, e como diz o próprio decreto governamental, já ocorreu o “exaurimento de grande parte dos mananciais”, necessitando de uma intervenção urgente do Poder Público, que não se limite apenas a diminuir momentaneamente o volume captado dos rios, mas à implantação de soluções permanentes visando a mitigação dos problemas.

Neste sentido destaca-se alguns pontos que consideramos extremamente importantes serem discutidos para uma boa gestão dos recursos hídricos na Chapada Diamantina, e que portanto serão comentados:

1) sendo a água considerada pela lei um recurso natural limitado, finito, e dotado de valor econômico, ou seja, devendo ser utilizado de forma racional, evitando-se o seu desperdício, e cobrando-se pelo seu uso, como se justifica que uma atividade como a irrigação, que extrai milhares de litros de água dos rios, utilize-se desse recurso com desperdício, e não pague nem um centavo.

2) considerando-se situações de escassez, onde o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação animal, como se justifica várias cidades da Chapada Diamantina passarem  por uma crise de abastecimento de água para consumo humano, como ocorreu em 2017, e mesmo assim serem sendo concedidas outorgas de água para irrigação pelos órgãos ambientais, ou tolerado o desperdício de água para irrigação.

Nestas situações, deveriam ser suspensas imediatamente, total ou parcialmente, todas as outorgas de direito de uso dos recursos hídricos para irrigação, no termos do artigo 15, incisos III, IV e V, da Lei 9.433/97.

O artigo 15 da Lei 9.433/97, que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, assim determina:

Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias:

III – necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;

IV – necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;

V – necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;

A água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado, podendo ser considerado como um recurso natural finito e vulnerável. Portanto, precisa ser preservado e conservado para as atuais e futuras gerações.

 

O CRESCIMENTO DESORDENADO DA IRRIGAÇÃO

Entre os diversos usos da água, a irrigação é, sem dúvida, a que apresenta uma das maiores demandas, sendo responsável também pelo maior desperdício, haja vista que para se irrigar qualquer cultura utiliza-se de grandes volumes de água, sendo que na maioria das situações, de uma forma geral,  uma grande parte da água utilizada na irrigação não atinge as plantas, perdendo-se por escoamento superficial, percolação profunda, deriva pelos ventos e evaporação.

Desta forma, a irrigação é uma atividade responsável pela maior parcela do uso dos recursos hídricos da região, uma vez que se utiliza de grandes volumes de água, e também de elevadas quantidades de insumos (agrotóxicos e fertilizantes), que constituem fontes potenciais de contaminação.

O crescimento desordenado da agricultura irrigada nesta região tem gerado diversos conflitos, principalmente entre irrigação e abastecimento humano, devido ao uso excessivo de recursos hídricos para irrigação, e consequente diminuição do volume disponível para o abastecimento humano.

Na realidade, diversas outorgas de água para irrigação foram concedidas pelos órgãos públicos durante vários anos, legalizando a retirada de grandes volumes dos mananciais da região, o que têm ocasionado uma excessiva redução nas vazões dos rios desta bacia, acarretando graves problemas para o ecossistema local e para as populações ribeirinhas.

O mais preocupante é que se tratam de rios localizados em uma região semi-árida, onde a baixa pluviosidade e a falta de precipitações diminui sobremaneira a alimentação desses mananciais, sendo que estão localizados em um ecossistema extremamente frágil, estando portanto suscetíveis  a  um colapso hídrico.

A título de exemplo temos várias situações. No vale do rio Utinga, devido ao crescimento desordenado do plantio irrigado de banana, mamão e tomate, já ocorre a escassez de água para o abastecimento humano, afetando os municípios de Wagner, Lagedinho, e algumas comunidades de Andaraí e Lençóis, que dependem deste manancial. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra, o rio Utinga teve o seu fluxo interrompido em alguns trechos, por mais de 120 dias, afetando onze comunidades rurais e ribeirinhas, dez assentamentos e dois sistemas de captação e tratamento de água para uso doméstico, afetando uma média de três mil famílias (SOS Águas da Chapada Diamantina, 2018).

Segundo dados do mesmo relatório, o colapso hídrico também já atingiu o rio Paraguaçu, onde se concentra grande parte do agronegócio da região. O sistema de abastecimento de água da cidade de Mucugê já sofreu interrupções, e alguns empreendimentos começam a migrar para outros afluentes do Paraguaçu, tendo em vista a escassez de água. (SOS Águas da Chapada Diamantina, 2018).

De acordo com GUIMARÃES (2020), em estudo realizado pela EMBRAPA, sobre municípios com a maior área absoluta ocupada por pivôs centrais em 2020 no Brasil, o município de Mucugê, na Chapada Diamantina, conta atualmente com 433 pivôs centrais  instalados, com uma total irrigada de 30.702,2 hectares.

Neste contexto observa-se que a irrigação apesar de ser uma atividade que pode gerar benefícios para uma região, principalmente para a economia das regiões áridas e semi-áridas, pode, em contrapartida, causar sérios impactos ambientais negativos nas bacias hidrográficas, que vão desde os conflitos pelo uso da água à contaminação dos corpos d’água por agrotóxicos e fertilizantes químicos, erosão do solo, assoreamento dos corpos d’água, salinização do solo, prejuízos para a fauna e a flora, impactos no meio sócio-econômico e cultural, ou seja, uma série de modificações negativas no meio ambiente, que devem ser observadas, consideradas e mitigadas.

Resta-nos, portanto, considerando as questões que envolvem irrigação e meio ambiente, alertar as autoridades responsáveis pela gestão dos recursos ambientais do Estado quanto à necessidade urgente de tratar a questão do uso racional dos recursos hídricos na Chapada Diamantina, com ações que englobem a redução do desperdício de água, a diminuição das quantidades captadas, o incentivo a métodos que melhorem da eficiência da irrigação. Só assim, otimizando o uso da água e respeitando o meio ambiente, é que se terá uma irrigação em bases sustentáveis.

 

POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA

Entre as possíveis soluções para a resolução deste grave problema, várias medidas precisam ser urgentemente colocadas em prática, visando a conservação, o uso racional, e a melhoria da eficiência do uso da água.

Entre estas medidas, umas das mais importantes talvez seja priorizar a gestão da demanda, considerando-se a necessidade de reduzir-se o consumo de água na região, eliminando-se os desperdícios e aumentando-se a eficiência dos usos atuais.

Neste sentido cabe a utilização de instrumentos que possibilitem a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, a avaliação de cenários de oferta e demanda nas bacias hidrográficas, a identificação de conflitos pelo uso da água, devendo-se priorizar os seguintes pontos:

  • Considerar a água como um recurso natural limitado, finito e vulnerável

A água é um recurso natural limitado, finito e vulnerável e portanto não são admissíveis condutas de desperdício e má gestão deste recurso. Neste sentido o princípio básico a ser considerado é que a água é um recurso que precisa ser cuidadosamente gerido, para que seu uso e aproveitamento seja feito em benefício de toda a coletividade.

Para isso necessário se faz a implementação urgente de uma série de medidas de gestão de recursos hídricos nas bacias hidrográficas da região, que estimulem a conservação e o aumento da disponibilidade de recursos hídricos e a diminuição do consumo de água, tais como a suspensão de novas concessões de direito do uso de recursos hídricos para grandes projetos de  irrigação; revisão das outorgas d’água já existentes; utilização de métodos de irrigação mais eficientes; implantação de programas de recuperação de nascentes e reflorestamento de matas ciliares, a exemplo do projeto “produtor de águas”, implantação de políticas de conservação do solo nas bacias hidrográficas e planos de saneamento básico nos municípios.

 

  • Cobrança pelo uso dos recursos hídricos

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos deve ser implementada urgentemente na Chapada Diamantina, considerando-se que a água é um bem dotado de valor econômico, e por isso deve ser cobrado o seu uso, dando ao usuário uma real indicação do seu valor. Grande parte do desperdício de água que ocorre na região, se deve ao fato de não ser cobrado o seu uso. A cobrança funcionaria como um incentivo à racionalização.

O princípio do usuário-pagador, presente no Direito Ambiental, estabelece que o usuário de recursos naturais deve pagar por sua utilização. Dessa forma, os recursos naturais devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos para que o seu uso e aproveitamento se processem em benefício da coletividade. A idéia é de definição de valor econômico ao bem natural com intuito de racionalizar o seu uso e evitar desperdício (SILVA,2011).

Isso já ocorre em outros setores, como a cobrança pelo uso da água em indústrias que trabalham com este recurso natural no processo produtivo.  Ademais assim determina a Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente em seu artigo 4º, VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (SILVA,2011).

No mesmo sentido determina a Lei no. 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos), no seu art. 19 – A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II – incentivar a racionalização do uso da água; III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Infelizmente no estado da Bahia, não se cobra pelo uso da água.

 

  • Diminuição da demanda e mitigação dos conflitos pelo uso da água

A maioria dos conflitos pelo uso da água na Chapada Diamantina são fruto de um deficiente planejamento ambiental e de uma péssima gestão dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas da região.

Prevalecem ainda na região condutas sedimentadas há séculos, que geram extremo desperdício de água, como o uso de sistemas de irrigação por superfície, de baixíssima eficiência, a exemplo da irrigação por sulcos e por inundação, além o uso de sistemas pouco econômicos, como o pivot central e a aspersão convencional, onde ocorre um grande consumo de água.

Neste sentido urge o incentivo a mudanças tecnológicas, através da implantação de métodos de irrigação localizada mais econômicos, como a microaspersão e o gotejamento, o uso de tecnologias avançadas em irrigação, além capacitação de técnicos e irrigantes em práticas de irrigação e educação ambiental para o uso dos recursos hídricos

Além disso, para a mitigação dos conflitos existentes, faz-se necessário paralisar a irrigação em algumas áreas, diminuir a área irrigada nas áreas críticas, limitar a liberação de água para irrigação, eleger culturas agrícolas que consumam menos água e minimizar os desperdícios de água, reduzindo assim as quantidades de água captadas dos mananciais.

 

  • Integração da gestão de recursos hídricos com a  gestão ambiental

A lei determina que a gestão de recursos hídricos deve proporcionar o uso múltiplo das águas, ou seja, deve beneficiar a todos os usuários de forma indistinta, servindo ao abastecimento humano, à dessedentação animal, às atividades industriais e a irrigação.

Para tanto deve-se respeitar a vocação e os limites de cada bacia hidrográfica, e em situações de escassez, priorizar o uso dos recursos hídricos para o atendimento das necessidades humanas e dessedentação de animais.

Neste sentido, para que se reverta a presente situação, necessário se faz que seja revisto o modelo de crescimento econômico que vêm sendo implantado na Chapada Diamantina, modelo este em que os recursos naturais estão sendo exauridos a uma velocidade alarmante, escasseando a água em quantidade e qualidade, com a ocorrência de vários impactos ambientais negativos e sérios conflitos ambientais nas bacias hidrográficas.

Faz-se necessário um olhar diferenciado para esta importante região da Bahia, repensando o seu crescimento, com uma visão integrada de desenvolvimento de longo prazo, preservando-se os seus recursos naturais, efetuando-se uma abordagem integrada entre meio ambiente e a exploração dos recursos hídricos, considerando-se que a água doce é um bem de domínio público, um recurso natural limitado e escasso, podendo ser considerado como um recurso finito e vulnerável, que pertence às presentes e futuras gerações.

Neste sentido faz-se oportuno citar trecho do artigo de FARIAS:

“Faz algumas décadas que o uso e o consumo da água doce parece estar chegando a um impasse, principalmente por causa da degradação, do desperdício, da explosão demográfica, da má distribuição e do modelo insustentável de desenvolvimento econômico adotado pela maioria dos países. De fato, de todos os problemas ambientais a escassez quantitativa e qualitativa da água doce parece ser, incomparavelmente, o mais grave e urgente” (FARIAS, 2008).

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GUIMARÃES, Daniel Pereira. Georeferenciamento dos Pivôs Centrais de Irrigação no Brasil: Ano Base 2020 / Daniel Pereira Guimarães, Elena Charlotte Landau. – Sete Lagoas: Embrapa Milho e Sorgo, 2020.00,

FARIAS, Talden. Direito à água e sustentabilidade hídrica. Revista Jus Vigilantibus, 2008.

GONÇALVES, Mário Jorge de Souza. Gestão quantitativa das águas superficiais da bacia hidrográfica do Rio Paraguaçu no Estado da Bahia – Brasil / Mário Jorge de Souza Gonçalves. – 2014.

REBOUÇAS, Aldo da C. Água na região Nordeste: desperdício e escassez. Estudos Avançados 11 (29), 1997.

SILVA, Romeu Faria Thomé. Manual de Direito Ambiental. Salvador, BA: Editora Jus Podium, 2011

SOS Águas da Chapada Diamantina. Carta aberta à sociedade baiana e a todo o povo brasileiro, Seabra, BA, 2018

 

Antonio Mario Reis de Azevedo Coutinho

Engenheiro Agrônomo, Mestre em Geoquímica e Meio Ambiente (UFBA); Especialista em Engenharia de Irrigação (UFBA), Advogado especializado em Direito Ambiental.

 

 

 

 

 

 

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