A onda privatista no saneamento básico

 

Joselito Alves, engenheiro da Osip Rio Limpo.

 

Enquanto as maiores cidades do mundo retomam sistemas de saneamento que foram privatizados, principalmente de abastecimento de água, o lobby privatista tomou conta do Governo Temer que renovou a Medida Provisória 844/2018 de 31 de outubro em 27 de dezembro de 2018 com a MP 868/2018, agora encampada pelo governo Bolsonaro e relatada na Comissão Mista do Senado pelo Senador Jereissati (PSDB) em 07/05/19. Segundo Júlia Dias Carneiro, da BBC Brasil no Rio de Janeiro (23/06/2017) um mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias, registrou 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto, da virada do milênio para cá, enquanto no ano 2000, de acordo com o estudo, só se conheciam três casos. De acordo com a primeira edição do mapeamento, entre 2000 e 2015 foram identificados 235 casos de remunicipalização de sistemas de água, abrangendo 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas. (www.bbc.com/portuguese/brasil-40379053). O exemplo europeu deveria servir de reflexão ao governo brasileiro e esta questão ser objeto de Projeto de Lei, submetido à discussão no Legislativo – nunca por Medida Provisória. Saneamento básico é política de promoção de saúde pública na perspectiva de universalização para inclusão de 100 milhões de brasileiros e, portanto, a participação privada visando o lucro, mesmo que legítimo, é merecedora de especial atenção e modelagem. Afinal, mais recursos para o setor é fundamental, porém, Gestão eficiente também e, apenas o exemplo de Limeira não basta, quando temos SABESP, SANEPAR, EMBASA – Companhias estaduais exitosas. Ao mostrar a comunidade Vietnã em São Paulo e as palafitas da região norte, as reportagens só “enxergam” e exploram, cegamente, a falta de saneamento básico, onde falta TUDO. Moradias ocupando áreas protegidas, desordenamento territorial, ausência de política habitacional, exclusão social, enfim, a omissão do Estado e a inépcia dos 3 níveis de governo. É nestes locais onde pobres, negros, índios, desempregados e desassistidos se refugiam.

Na lama, no esgoto, nas águas malcheirosas e contaminadas. É ali que estão os excluídos. Nas periferias, favelas, morros e charcos, onde falta tudo. Porém, o lobby do saneamento não lucrará ali e, não será onde estes serviços dependerão de outras políticas que o setor privado buscará os bilhões de lucro. Podem apostar! Querem enganar o povo com este apelo sórdido. Estender coleta de esgoto para 30% da população habitante em áreas urbanizadas é tarefa fácil para o setor público, dependente apenas de recursos. De financiamento público, privado, de organismos nacionais ou internacionais. O que faltou todo este tempo foi prioridade e/ou disponibilidade de recursos. O desafio está na universalização de serviços para as áreas não-urbanizadas; para locais desprovidos de infraestrutura de mobilidade e de equipamentos urbanos; para as sub-moradias, sub-habitações ou moradias precárias; para as áreas inundadas ou inundáveis onde estão as palafitas. Áreas localizadas no Norte e Nordeste, notadamente, e muito menos nas periferias do Sudeste e Centro-Oeste. Áreas que deveriam ser contempladas com políticas integradas de serviços de infraestrutura e políticas de inclusão social, muito além de saneamento básico. Obviamente que a fatia de serviços posta na mesa é a atraente, aqueles 30% de coleta de esgoto em áreas urbanizadas e 80% de tratamento para as áreas onde já tem coleta e a expandir. Isso é fácil; basta ter recursos. A questão é: quem ficará responsável pela cobertura do déficit de 20% em esgotamento sanitário e 15% em abastecimento de água para alcançar a universalização, para atendimento às populações excluídas e que habitam as áreas não urbanizadas?

A Medida Provisória ou Projeto de Lei define isto? De que forma? Por outro lado, retirar a competência dos Municípios sobre o saneamento é uma manobra para beneficiar os Estados endividados, para que façam caixa com a venda das companhias estaduais – caso da CEDAE no governo Temer. Estas companhias são concessionárias dos serviços que foram concedidos pelos Municípios desde sempre, em arranjo que possibilitou o “subsídio cruzado” na política tarifária e que será desmontado. É uma manobra em que se abre o mercado brasileiro em substituição ao mercado europeu que se fechou para as multinacionais com a reestatização e, que vai deixar 20% (40 milhões de brasileiros) entregues à sua própria sorte, ou azar deles. Pergunta-se por que a desestatização com desmonte das companhias estaduais, desconstrução da politica tarifária, criação de ambiente conflituoso no âmbito dos ativos patrimoniais (sua propriedade e cessão) e em relação à competência do serviço, se o problema é de prioridade orçamentária? É neste contexto que o governo Bolsonaro extinguiu o Ministério das Cidades que era competente pelo saneamento ambiental, mobilidade, habitação, ordenamento territorial, enfim, todas aquelas políticas inerentes à fixação do cidadão no território, devidamente, servido por infraestrutura e serviços essenciais. Agora, após 140 dias quer voltar atrás e ressuscitar o que extinguiu. Quem explica? Os defensores desta manobra são os mesmos que enxergam na Agência Nacional de Águas – ANA, o lócus perfeito de “competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento”, atribuição de competência da Secretaria Nacional de Saneamento. Esta inovação, coisa de mentes criativas, pretende colocar um arremedo de Regulação à brasileira na responsabilidade da Agência de Águas que, apenas, relata acidentes e crises nos recursos hídricos e dá outorgas ou produz relatórios com muito, mas, muito papel sem ter em seus quadros profissionais especializados em saneamento. Se for para abertura à participação privada por que não criar a Agência Nacional de Regulação do Saneamento? Ou seja, o problema é tão grave e urgente que vai ser recriado um Ministério e uma Agência de Águas adaptada e sem autonomia para fazer uma Regulação à meia boca. Tudo para satisfazer a gula de um lobby sócio de forças políticas irresponsáveis.

 

Autor: Joselito Alves, engenheiro da Osip Rio Limpo.

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