Ponto de Vista: O peso da opinião pública

Aos queridos sobrinhos Mariana e João Pedro!

Se Vladimir Putin soubesse da extensão e intensidade da reação mundial, certamente, não teria iniciado a invasão da Ucrânia. Ele não tem como não sair perdedor dessa iniciativa insensata.

A ocorrência de episódios como este, ao longo dos tempos, levou o pensador e historiador escocês David Hume, a insinuar com acuidade que o objeto da história se resume em demonstrar a importância da opinião pública como agente modelador da sociedade humana, porque até mesmo os mais sanguinários ditadores não podem prescindir dela para alimentar o ânimo dos que calam as baionetas (David Hume, History of England, 1771). Antes de David Hume, John Locke, o primeiro grande defensor do governo das maiorias, viu a questão, do seguinte modo: “O corpo político deve caminhar na direção apontada pelo poder maior que é o consenso da maioria” (Two “Treatises on Government, 1690). Um pouco antes de Locke, Pascal (1623-1662) explicava que “seguimos a maioria, não porque esteja correta, mas porque tem mais poder” (Blaise Pascal, Pensées, 1670). A formulação clássica desse princípio coube ao jurista e orador romano, no segundo século antes de Cristo, Públio Múcio Scaevola, frequentemente citado e louvado por Cícero como um grande defensor público, ao enunciar: “O que a maioria do conselho decidir deve ser considerado como decisão de todos” (Quod maior pars curiae effecit, pro eo habetur, ac si omnes egerint, Digesto, Livro 1). Valendo-se dessa lição, disse Talleyrand a Napoleão: “Com as baionetas, Senhor, pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre elas”. Com essas palavras Talleyrand queria ensinar a Napoleão que o poder, mesmo despótico, só vale a pena quando exercido com tranquilidade, sentado no trono ou em outra cadeira qualquer. Isto é: com respaldo popular. “O mando é menos uma questão de punhos do que de nádegas”, escreveu Ortega y Gasset, em La Rebelion de las Masas, 1929.

Ainda que, nem de longe, se possa comparar, até o momento, o nível de perversidade de Putin ao de genocidas como Hitler, Stalin e Mao Tsé-Tung, o Presidente da Rússia já pode ser considerado a pessoa mais odiada do Planeta, em face da condenação universal do seu condenável propósito expansionista, como se o bem estar do seu sofrido povo dependesse de agregar mais riquezas naturais ao seu já tão vasto território, na era do conhecimento em que passamos a viver, quando a prosperidade das nações depende da qualidade da educação de suas populações, e não de riquezas naturais, mal aproveitadas, como ocorre no Brasil e na própria Rússia, contrariamente ao que sucede em pequenas nações,  pobres de riquezas naturais, mas ricas de preparo intelectual.

Foi temendo a opinião pública que, em vários episódios, ao deparar com a reação popular, Hitler recuou de sua sanha genocida, como ocorreu na desistência do seu propósito de aniquilar o que ele denominava “subumanos eslavos”. O mesmo se deu diante da perseguição aos cristãos, o que não se verificou relativamente aos judeus. Nenhum dos vários manifestos, ou atentados frustrados contra Hitler, perpetrados por militares e por membros da sociedade civil que pagaram com a liberdade ou a vida, teve a defesa dos judeus como parte de sua motivação. Quando os médicos nazistas já haviam eliminado entre setenta e cem mil pessoas portadoras de doenças que as inabilitavam a uma vida produtiva, de acordo com os cânones nazistas, o clamor social, nascido do protesto dos parentes das vítimas, triunfou. Os poucos casos de reação de alemães à política de extermínio dos judeus foram ditados por interesses específicos e não por oposição ao antissemitismo, como erradamente se propaga.

Tomara que não esteja confundindo o que vejo com o que desejo (wishful thinking), ao concluir que o bufão Putin sairá dessa enrascada com o rabo entre as pernas, tendo sepultado, no horizonte descortinável, o sonho patológico da restauração do Império Soviético.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal Saúde no Ar

Coluna de opinião escrita por Joaci Góes, escritor, acadêmico, Colunista do portal Saúde no Ar.

 

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