Mais de 70% dos trabalhadores de praia de Salvador têm uma carga diária de trabalho superior a 8 horas por dia. Além disso, cerca de 40% já sofreram algum tipo de acidente de trabalho nos últimos 12 meses, como perfurações, cortes e queimaduras, e 25% apresentaram infecções de pele. Esses e outros dados alarmantes compõem um estudo inédito conduzido pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, em cooperação técnica com o Ministério Público do Trabalho na Bahia – Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região. A devolutiva aos trabalhadores será realizada nesta segunda-feira (09), às 9 horas, com saída da praia de São Tomé de Paripe, e na terça-feira (10), às 9 horas, com saída do Farol de Itapuã.
O estudo “Perfil epidemiológico e caracterização das doenças, acidentes e agravos em trabalhadoras e trabalhadores de praias em Salvador/BA” entrevistou 579 trabalhadores com idade igual ou superior a 14 anos, atuando em praias urbanas de Salvador/BA, ambulantes ou com pontos fixos, entre os meses de novembro de 2023 e março de 2024.
A pesquisa foi realizada em cinco faixas de areia da capital baiana: Tubarão-São Tomé de Paripe, Boa-viagem – Ribeira, Cristo – Porto da Barra, Armação – Piatã, Farol de Itapuã – Sereia. No total, foram entrevistados trabalhadores com ao menos 3 meses de atividade econômica em praias, atuando pelo menos 1 dia por semana, independentemente do tipo de atividade e vínculo de trabalho. Os questionários abordaram aspectos sociodemográficos, socioeconômicos, ocupacionais, comorbidades, saúde mental, qualidade de vida, ambiente e processo de trabalho, além de acesso a serviços de saúde e assistência social desses trabalhadores.
Homens, pretos e com ensino médio incompleto
De acordo com o levantamento, 59,4% eram do sexo masculino, com idade média de 41 anos, pretos (55,4%) e pardos (37,5%), totalizando 92,9% dos participantes. Quanto à escolaridade, 58,8% tinham o ensino médio incompleto, enquanto 37,1% haviam concluído o ensino médio. Pessoas com deficiência representavam 5,5% da amostra. Quanto às características ocupacionais, 73,8% dos entrevistados informaram que sua renda provém exclusivamente das atividades econômicas realizadas nas praias. A renda média diária durante os dias de semana não ultrapassa R$ 70 reais.
Em relação aos aspectos ocupacionais, as principais atividades foram de vendedores ou prestadores de serviço ambulantes (43,6%) e garçons (25%). Proprietários de barracas representaram 11% da amostra. As demais ocupações identificadas foram de pescadores, vendedores de acessórios e aluguéis de materiais.
Carga horária média chega a 10 horas
Quanto ao vínculo de trabalho, 72,3% não contribuem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), trabalhando na informalidade. Entre os trabalhadores de praias, 70,2% tinham uma carga diária de trabalho superior a 8 horas por dia, e 35,2% atuavam de forma ininterrupta, ou seja, 7 dias da semana. A média de trabalho diário foi de 10 horas.
Sobre treinamentos e capacitações, 88% nunca haviam recebido capacitação para desenvolver suas atividades econômicas nas praias, seja por parte da prefeitura municipal ou de órgãos representantes dos trabalhadores.
Em relação aos ambientes e processo de trabalho, 35% dos trabalhadores usam locais de comércio próximo para realizar suas necessidades fisiológicas, 26% utilizam banheiro químicos, 11% não fazem, 8% recorrem à rua, 5% ao mar e 14% buscam outras alternativas.
Quando questionados sobre o que consideram necessário para desempenhar melhor suas atividades, os trabalhadores apontaram as seguintes prioridades: fornecimento gratuito de protetor solar, instalação de banheiros, espaços para armazenamento de materiais, cestos de lixo, acesso à água potável, chuveiros, capacitações específicas e melhorias na segurança pública.
Riscos de acidentes, doenças e agravos
Entre os entrevistados, 40% relataram ter sofrido algum acidente de trabalho nos últimos 12 meses em função de suas atividades na praia. As principais ocorrências foram perfurações, cortes e queimaduras, sendo o palito do queijo coalho identificado como o principal responsável pelas perfurações.
No que se refere a doenças e agravos, foi investigado o diagnóstico realizado por profissionais de saúde no mesmo período. Os resultados indicam que 18% dos trabalhadores foram diagnosticados com LER/DORT, enquanto 25% apresentaram infecções de pele.
Conclusões do estudo e próximos passos
“As condições de saúde dos trabalhadores de praia de Salvador podem estar sendo um reflexo do ambiente e processo de trabalho inadequado e falta de capacitações”, destaca o coordenador do projeto, Cleber Cremonese, professor e pesquisador do ISC/UFBA. Ainda segundo o professor, a alta proporção de trabalhadores informais, sem proteção social, que precisam realizar atividades econômicas mesmo em condições de saúde comprometidas, agrava ainda mais sua situação de saúde desses trabalhadores.
As próximas ações do projeto incluem a elaboração de relatórios, a produção de artigos acadêmicos e a participação em eventos científicos. Além disso, a equipe pretende dar continuidade às investigações, mediante apoio e parcerias, para aprofundar a compreensão sobre os impactos das mudanças climáticas nos trabalhadores. “O trabalho diário de 10 horas em média, em altas temperatura, sem hidratação adequada, por exemplo, pode ser importante causador de insuficiência renal aguda e crônica”, aponta o professor. |