O Hospital da Criança Martagão Gesteira vem alertando governo e população sobre a crise sem precedentes que tem vivenciado devido ao subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta quinta-feira (14), o hospital filantrópico anunciou a suspensão de serviços essenciais ao tratamento de milhares de crianças e adolescentes com câncer.
Em ofício destinado aos Secretários Municipal e Estadual de Saúde, o Martagão Gesteira comunica o desfecho lamentável e inevitável: em trinta dias, se iniciará uma série de ações que culminarão no encerramento de atividades da unidade. Trata-se de um processo complexo com diversas implicações éticas, médicas, sociais, humanitárias, cíveis e trabalhistas. Os primeiros passos adotados serão: suspensão do serviço de neurologia, redução de 50% das cirurgias cardíacas, suspensão de casos novos de oncologia e suspensão do serviço de assistência aos portadores de fissuras lábio palatinas.
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No mencionado ofício, o hospital solicita o posicionamento dos Secretários de Saúde para garantir o acesso dos seus pacientes à rede pública, além do acompanhamento pelo Ministério Público Estadual deste processo de transferência.
É inquestionável a importância do SUS, o pleito é para que ele seja fortalecido com a correção dos valores de repasse. O provável fechamento dos hospitais filantrópicos representa a própria morte do Sistema Único de Saúde. A Bahia está de luto.
Serviços suspensos:
1. Suspensão do serviço de neurocirurgia:
A despeito de ser o único serviço especializado em neurocirurgia pediátrica do SUS de Salvador e referência para todo o Estado da Bahia, que atende atualmente aos casos de tumores do sistema nervoso central, disrafismos espinhais, mal formações crânio faciais, entre tantas outras doenças neurocirúrgicas da infância, já não é possível manter sua operação pelo constante desabastecimento de materiais além de débitos com a própria equipe neurocirúrgica.
2. Redução em 50% das cirurgias cardíacas:
Embora o Hospital Martagão Gesteira tenha sido protagonista de um grande esforço coletivo para reduzir em 80% a fila de 600 crianças que aguardavam por uma cirurgia cardíaca, atualmente já não é mais possível continuar colaborando com este esforço na plenitude para qual foi concebido. Já são altas as dívidas com fornecedores e estes já se recusam a fornecer os materiais mais caros. Resta para o hospital apenas a possibilidade de desempenhar 50% da sua capacidade instalada, o que representará em torno de 120 crianças por ano.
3. Suspensão de casos novos de oncologia:
O serviço de oncologia do HMG, há 30 anos, é referência no tratamento multidisciplinar do câncer infantil do nosso estado, possui, em média, 150 crianças em tratamento e realiza em torno de 1.600 atendimentos por mês. Devido ao criticismo da situação das 150 crianças já em tratamento e para garantir que estas sejam acompanhadas até o final já não será mais possível admitir novos casos.
4. Suspensão do serviço de assistência aos portadores de fissuras lábio palatinas:
Trata-se de um serviço com equipe multidisciplinar, implantado no Martagão Gesteira há mais de 3 décadas, que atende a aproximadamente 110 crianças por ano.
Entenda a defasagem da tabela SUS
Atualmente o maior impacto financeiro sofrido pelas instituições filantrópicas, decorre da defasagem da tabela SUS. Desde o plano Real até o ano de 2015, essa tabela, que remunera as instituições que prestam serviços de saúde, teve um reajuste de 93,66%. No mesmo período, a conta de energia, uma das contas básicas pagas pela sociedade, sofreu reajuste de 962,19%; a conta de água aumentou 945,10%; o gás de cozinha, mais de 1000%.
Um exemplo prático do subfinanciamento do SUS pode ser visto nos valores pagos por procedimentos. Uma consulta com um especialista, em que o plano de saúde remunera com cerca de R$ 90,00, o SUS paga pelo mesmo procedimento R$ 17,00. Já uma diária de internamento, que a mesma saúde suplementar remunera ao hospital cerca de R$ 3.400,00, o SUS paga R$ 1.200,00. São valores insuficientes para cobrir os custos das instituições, para manter esses serviços. Sem conseguir fechar a conta, as entidades do terceiro setor recorrem aos bancos para obter empréstimos.
– A cada R$ 100,00 gastos pelos hospitais, o SUS remunera com R$ 60,00 (2014).
– R$ 24,7 bilhões é a Receita com Serviços Prestados ao SUS (2014).
– R$ 14,9 bilhões é o Déficit Total das instituições com o Subfinanciamento do SUS.
– Deste total, estão descontados os valores que as instituições usufruíram em isenções, sem os quais o déficit seria ainda maior. Fica o déficit de R$ 9,8 bilhões das instituições no Brasil e R$ 1 bilhão na Bahia.
– A dívida atual do Hospital Martagão Gesteira é de mais de R$ 25 milhões.
Redação Saúde no Ar*
João Neto